O Sulacap e minha história

1962. Eu tinha 8 anos. Morava no Edifício Teodoro, esquina de Afonso Pena com Tupinambás. Passarinho de gaiola, quando surgia uma brecha eu não pensava duas vezes: alçava voo.  É claro que com esta idade e morando a um quarteirão da Praça 7 eu não podia sair voando por aí sozinho. Saía invariavelmente na companhia de um adulto, quase sempre meu pai.  Lembro-me de um desses passeios em especial. Seguíamos pela avenida Afonso Pena em direção ao Parque Municipal, quando me deparei com um cenário pouco comum na região: um prédio com área ajardinada frontal. Mas a minha atenção se voltou mesmo foi para os fundos do terreno onde, através de uma espécie de galeria aberta, se descortinava outra cidade.   Estávamos em frente ao Edifício Sulacap. Eu avistava, num plano inferior, o viaduto Santa Tereza e mais adiante o bairro Floresta. Como lá de cima eu não divisasse as ruas que dão acesso ao viaduto e os automóveis seguissem ortogonalmente em relação à avenida Afonso Pena, fiquei intrigado. De onde vêm esses malucos? Meu pai tentou explicar. Não me convenceu. Eu tinha a nítida impressão de que existia uma passagem secreta bem debaixo dos nossos pés. É de lá que vêm os automóveis, concluí. Não discuti, para não desapontar o velho.  Durante muito tempo este quadro habitou o meu imaginário. Só saiu da minha cabeça – e do meu campo de visão – no início dos anos 70, quando destruíram os jardins e ergueram um anexo de lojas no local. A construção, além de descaracterizar o projeto original, impediu o enquadramento do viaduto Santa Tereza a partir da avenida Afonso Pena. Uma aberração.  Desde então – e já são passados mais de 50 anos -, venho torcendo para que o que-jamais-deveria-ter-sido-erguido vá ao chão e lá no fundo ressurjam o viaduto Santa Tereza, o bairro Floresta, o belo horizonte da minha infância.  Mas agora é pra valer. Finalmente o anexo do Sulacap vai ser demolido para dar lugar a uma nova “Praça da Independência”, como era conhecida a área ajardinada que existia originalmente no local. Representação gráfica mostrando como ficará a “Praça da Independência” após a demolição do anexo do Sulacap A intervenção faz parte do programa Centro de Todo Mundo da Prefeitura de Belo Horizonte, que já está em curso. Em breve, quem passar em frente ao Sulacap poderá desfrutar o verde dos jardins e enquadrar o viaduto Santa Tereza a partir da avenida Afonso Pena. Como nos velhos tempos.  Fecho os olhos e imagino a felicidade do velho lá no azul infinito. Ele levanta o polegar, eu sorrio e retribuo o gesto.  A bênção, meu pai! Foto de abertura: disponível em https://www.facebook.com/bhcaminhadasehistoria

A mais nova atração de Belo Horizonte

Quarta de sol e céu azul. Dez da manhã. Sigo a pé até o 354 da Afonso Pena e embarco no 4103 com destino ao Parque do Palácio, a mais nova atração de Belo Horizonte. A subida é longa. Enquanto o motorista acelera, vou curtindo a nossa mais bela avenida. Viajo. Quando desperto, o 4103 já está próximo à Praça do Papa. Mal tenho tempo de acionar o sinal de pare e desembarcar. Em poucos minutos chego ao meu destino, o Palácio das Mangabeiras, que em meados de 2022 deixou de ser a residência oficial dos governadores de Minas e se tornou Parque do Palácio. Mas o Parque não se revela à primeira vista. Situado numa colina, revela-se aos poucos, à medida que vou subindo. Logo após a entrada, pendurado numa encosta do terreno, vejo um grande cubo em chapas de aço vazadas. Os vazios são letras-palavras-versos. Chego mais perto e leio: “Cuboesia – Projeto: João e Isabel Diniz”. “Cuboesia”, obra de João e Isabel Diniz na entrada do Parque do Palácio Um nivel acima, numa área gramada, uma tenda sustentada por vergalhões e o Labirinto Playground, um brinquedo cedido ao Parque pela Vazio S/A, fazem a alegria da criançada. Atrativos para os adultos? Tem o Café – um dos melhores da cidade – à beira da piscina, as obras de arte espalhadas pelos jardins e, é claro, o próprio Palácio. Encomendado no início da década de 50 pelo então governador Juscelino Kubitscheck ao ainda pouco conhecido arquiteto Oscar Niemeyer, o Palácio das Mangabeiras é atração à parte. Situado no topo do terreno, domina a paisagem com suas linhas curvas, sua grande superfície envidraçada, marcas registradas de Niemeyer. Fachada do Palácio das Mangabeiras Atualmente destinado a receber mostras de arte e outros eventos, o prédio de dois pavimentos possui amplos salões, móveis de época e um belo piano da cauda. O acesso ao pavimento superior se dá através de típica escada dos anos 50/60: degraus aparentes e corrimãos dourados. Subo e vou até a varanda, que ocupa toda a frente da edificação. De lá, aprecio os jardins de Burle Marx, as árvores ao redor, as curvas da piscina (seria, também ela, projeto de Niemeyer?), a Serra do Curral ao fundo. Cenário de cinema para encerrar o passeio. A volta pra casa foi tranquila. Desci do 4103 nas proximidades do Teatro Francisco Nunes, passeei pela avenida à sombra do verde Municipal, desci a sempiterna rua da Bahia, enveredei pelo mais famoso viaduto da cidade e segui adiante… Caminhos da Floresta. No trajeto, fiquei imaginando as serestas ao luar que JK – pé de valsa que era – deve ter promovido lá no Mangabeiras para matar as saudades da sua querida Diamantina. Viajei de novo! 

Um dia no Parque das Mangabeiras

Estava fazendo aniversário na minha lista. O Parque das Mangabeiras. Dia desses, finalmente. Aproveitei os bons fluidos do Ano Novo, quando bate aquela vontade de saldar velhas dívidas, e lá fui eu. Desci do 8150 a dez passos da Portaria Caraça, antiga entrada da Ferrobel, mineradora que povoou de explosões e pó de minério a minha infância na rua Serranos. Logo após a portaria, estacionado, o micro-ônibus que faz o transporte interno do Parque. Perguntei ao porteiro. Acabou de sair um, foi a resposta. Esse aí, apontou o veículo estacionado, só daqui a quarenta minutos. Eu tinha pela frente uma ladeira de mil e oitocentos metros. Paciência… Subir a pé. Lembrei-me dos meus tempos de engenheiro da SLU, quando fui designado para implantar o Plano de Coleta de Resíduos do Parque, prestes a ser inaugurado. Naquela época – corria o ano de 1982 – com apenas vinte e oito janeiros nas costas, eu subia o morro brincando, mas hoje, quarenta janeiros depois…  Subi devagarinho, no ritmo do coração. O verde das árvores em contraponto ao cinza do céu era algo indescritível. Só vendo. Estrada da Ferrobel nas proximidades do Portão Caraça Logo após a primeira parada de ônibus, um burburinho. Apurei os ouvidos. Eu sabia que encosta abaixo havia um lago. Não pude vê-lo. Árvores toldavam a minha visão, mas a imagem dos anos 80 me acorreu imediatamente. Quedas d’água vertendo numa pequena represa: Lago dos Sonhos. Mas eu não sonhava sozinho. Enquanto quedava ali a procura do lago, dois outros visitantes se aproximaram. Vinham subindo a ladeira e ao me verem perscrutando a mata ficaram curiosos. Queriam saber o que.     Era um casal de meia-idade. De São Paulo. Primeira vez em Belo Horizonte. Creio que ficaram satisfeitos com a minha explicação, pois se convidaram para fazer comigo o restante do percurso e assunto não faltou. Foram mil e quinhentos metros de prosa. Disseram que já estavam há três dias na cidade. Que haviam visitado a Pampulha, a Praça da Liberdade e o Parque Municipal e que não poderiam voltar pra casa, frisaram, sem conhecer este paraíso aqui. Paraíso mesmo, falei. Aqui tem árvores de várias espécies, inclusive do Cerrado e da Mata Atlântica. Tem passarinho de toda qualidade, além de micos, esquilos e outros animais de pequeno porte. E o mais importante, finalizei, dezenas de nascentes para manter vivo este precioso ecossistema. E assim, de conversa em conversa, chegamos à Praça das Águas. Meus amigos ficaram encantados com o lago artificial, os jardins de Burle Marx, o Teatro de Arena. Mas o que mais os impressionou foi a imponente beleza da Serra do Curral. Praça das Águas com a Serra do Curral ao fundo Não pra menos. Se eu, que fui criado a seus pés, não me canso de admirá-la, imagina o turista de primeira viagem. E naquele dia não foi diferente. Ao despedir-me, notei que os amigos mal olhavam para mim. Seus olhos, como que hipnotizados, só enxergavam o belo paredão que tínhamos à nossa frente. Não me importei. Saí de mansinho, quase despercebido. Foi a conta de embarcar no 4103, que deixou-me na parada Teatro Francisco Nunes da avenida Afonso Pena. De lá até aqui em casa, na Floresta, foi um pulo.

1ª caminhada da turma da Engenharia

Abro o zap e acesso o grupo dos colegas da Escola de Engenharia. Na tela, uma publicação do Roberto Márcio, administrador do grupo, mostrando o número de passos atribuídos a ele numa caminhada: 13 mil e uns quebrados. Comentário do colega Lúcio Souza Cruz: desse jeito você ultrapassa o Zé Walker. Foi assim, a partir de uma brincadeira, que surgiu o convite para que eu organizasse a primeira caminhada da nossa turma, que se formou em 1977 pela UFMG. O convite partiu do próprio administrador do grupo e não titubeei. Bora lá. Convocar os colegas, definir data e horário do evento, planejar o trajeto, escolher o local da confraternização. Pensei que não daria conta do recado. Mas no final… Eu acho. Cheguei ao coreto da Praça da Liberdade, nosso ponto de encontro, meia hora antes do horário combinado. Mas não fui o primeiro. Para minha surpresa, o José Roizenbruch já se encontrava por lá, animadíssimo como sempre. Logo depois chegou o Lourenço Mendes: não vou acompanhá-los, vim só rever a turma. Gostei. Enquanto conversávamos, foram chegando, um após o outro, os colegas Eduardo Lana, Ricardo Fakury, Roberto Márcio, Agnelo Pereira, João Bagno, Murilo Galizzi e Alberto Vilaça. Aí foi aquela festa.  Os caminhantes no coreto da Praça da Liberdade Dez da manhã, hora da partida. Cadê o Rodrigo Dolabela? Dez e cinco, e dez, e quinze… e nada do moço. Zarpamos. Primeiro foi um giro pela praça, sentido anti-horário, a partir do Edifício Niemeyer. Curiosidades e particularidades de obras realizadas nos prédios do entorno foram a tônica das conversas. Os colegas João Bagno e Roberto Márcio nos revelaram interessantes detalhes de projeto. Concluído o giro, atravessamos a avenida Bias Fortes e o que encontramos do outro lado, em frente à Biblioteca Pública? Um evento gastro-etílico. Alguém mais afoito (ou menos afeito a caminhadas) sugeriu que ficássemos por lá, mas ainda bem que prevaleceu a vontade da maioria. E seguiu a caminhada. Passamos pela Praça José Mendes Júnior, pela Casa Fiat de Cultura e pela entrada da Prodemge na rua da Bahia. De repente… alto lá, aquele não é o Rodrigo Dolabela? Era. O colega havia perdido a hora e para não perder também a caminhada vinha no contra fluxo. Time completo, seguimos em frente. Bahia, Tomé de Souza, Levindo Lopes. Na esquina de Levindo Lopes com Antônio de Albuquerque, tomou a palavra o colega Murilo Galizzi. Contar como surgiu a “Via Albuquerque”, iniciativa do irmão Nelson Galizzi, que transformou a Antônio de Albuquerque numa das ruas mais charmosas da Savassi. Murilo Galizzi explicando aos colegas como surgiu a “Via Albuquerque” Terminada a explanação, seguimos em direção ao Colégio Estadual Central, onde estudamos eu e outros colegas do grupo. O projeto de Niemeyer, que se inspirou em materiais escolares para conceber o pavilhão das salas de aula (régua), o auditório (mata-borrão), a cantina (borracha) e a caixa d´água (giz), foi o assunto principal. O trecho seguinte, São Paulo-Felipe dos Santos-Marília de Dirceu, foi moleza. A fama da pastelaria que fica em frente à Praça Marília de Dirceu já havia se espalhado entre os caminhantes e ninguém queria saber de outra coisa. Pena que o tempo urgia e tivemos que nos contentar com apenas um pastel per capita. Os cinco quarteirões restantes é que foram osso. Não por termos encontrado dificuldades no caminho. É que a vontade de molhar a palavra era maior que a disposição para caminhar. Mas enfim, chegamos ao Tip Top, na rua Rio de Janeiro, local da nossa confraternização.   Antes de entrar, fizemos a chamada. Faltavam três colegas. Alguém disse devem ter ficado para trás, daqui a pouco eles chegam. E qual não foi a nossa surpresa ao entrar e verificar que os retardatários já estavam devidamente abancados, com três ampolas vazias sobre a mesa. Mas a surpresa maior ficou por conta do colega Ronaldo Vieira, que apareceu por lá quando já estávamos na quinta ou sexta ampola. E nos ajudou a consumir as demais.

Plano B

Andradas. É pra lá que eu vou. Saio de casa a mil por hora. Embarcar no Circular em frente ao antigo Cine Odeon, descer no Perrela. Consulto o aplicativo: SC01A, dois minutos. Aperto o passo. Dobro a última esquina. Lá está ele. Arrancando. Corro, braço estendido. Motorista não vê, ou faz de conta que. O próximo? Daqui a 18 minutos, diz o aplicativo. Sem chance, digo eu. Colocar em ação o plano B, Praça da Liberdade. Do outro lado da Contorno, quatro opções: 8102, 8106, 8107, 8108. Oba! lá vem o zero dois. Cartão BHBUS Master na mão, gratuidade liberada. Vários assentos à minha disposição. Vou de janela ao sol. Vida de aposentado é assim. Se não dá pra ir a pé até o destino, ônibus te leva. De graça. E vazio, dependendo do horário. É só não sair de casa por volta das oito da manhã. Mas quem disse que aposentado tem hora pra sair de casa? O zero dois chega à Praça da Liberdade em quinze minutos. Parada junto à Biblioteca Pública. Desço. Passo por Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos, os “quatro cavaleiros do apocalipse” eternizados em bronze pelas mãos do artista plástico Leo Santana. Os “quatro cavaleiros do apocalipse” em frente à Biblioteca Pública (Foto: Lude G.B.) No saguão da Biblioteca, exposição da obra de outro grande escritor da geração apocalíptica: Wander Piroli. Justa homenagem ao autor de A mãe e o filho da mãe. Rápida passagem pela Casa Fiat de Cultura. Em cartaz, “Gemini”, uma história em quadrinhos digital e interativa, além de reproduções de desenhos dos artistas Clémence Bourdaud (França) e Rogi Silva (Brasil).     Algumas voltas pela Praça… Reforma do prédio verde, futuro Centro do Patrimônio Cultural Cemig, ainda não. Se começou, começou por dentro. Vamos Aguardar. Xodó. O fast food que completou 60 anos em março continua em plena atividade. Já faz parte da história de Belo Horizonte. Inauguração do Xodó, o primeiro fast food de BH, em 1962 (foto: divulgação revista Encontro) Escola de Design da UEMG. Finalmente em funcionamento, após a longa reforma do antigo prédio do IPSEMG. Belas instalações. Centro Cultural Banco do Brasil. Nova iluminação interna e externa prestes a ser inaugurada. Sirva de exemplo para os demais prédios históricos do entorno. Inclusive, e principalmente, para o Palácio da Liberdade, que à noite passa praticamente despercebido. A má notícia é que a MRV não cuida mais da Praça. O próximo cuidador será, provavelmente, o Banco Inter. Chute do funcionário da Prefeitura que encontrei por lá. Tomara que ele acerte o gol. Voltei pra casa de zero oito. Vazio também. Menos de quinze minutos. Gostei da experiência. A emenda ficou melhor que o soneto.

Um passeio pelos cinemas antigos do centro de Belo Horizonte

Cinemas antigos do centro de Belo Horizonte. Saber quais ainda estão de pé. E em que pé estão. Comecei pelo Cine Regina. Bahia entre Tupinambás e Carijós. Prédio residencial. Nos fundos do hall de entrada, o cinema. Fechado. Perguntei ao porteiro. Há muito tempo, respondeu. Achei vaga a resposta, mas não estiquei assunto. Tinha cara de poucos amigos o cidadão. E eu, muito chão pela frente. Próxima parada, Cine Nazaré. Guajajaras pertinho da Afonso Pena. Prédio residencial também. Desta vez, o porteiro foi mais cortês. Disse que o cinema não existe mais. Que o espaço está à venda. Que o último negócio que vingou por lá foi uma feira popular, há mais de dois anos. Falei tudo bem, obrigado e saí. Frustrado. Subi Guajajaras pensando será que não sobrou um pra contar a história? Rua da Bahia. Cine Guarani? Não, Polícia Militar. O que o senhor deseja? Estou escrevendo sobre os cinemas antigos de Belo Horizonte e gostaria de saber se existe neste prédio um auditório ou algo que lembre o antigo Cine Guarani. Cine Guarani? Nunca ouvi falar.   Expliquei que foi há muitos anos, que faz parte da história da cidade, etcétera e tal. Mesmo que nada. Saí com cara de tacho. Já na rua, fiz questão de fotografar as bilheterias e a porta de entrada, felizmente preservadas. Prédio do antigo Cine Guarani à rua da Bahia 1201 E agora José? Descer Bahia até a esquina de Goiás? Vale a sola do sapato não. Cine Metrópole, só na lembrança. Em seu lugar, o despropósito de uma agência bancária. Melhor descer Augusto de Lima. Desci. Até o 420. Sesc Palladium, Foyer Augusto de Lima. Embarquei na escada rolante e deixei-me conduzir ao nível superior, onde se encontra o Grande Teatro, a magnífica casa de espetáculos em que se transformou o antigo Cine Palladium. Eu havia assistido a algumas apresentações por lá, mas nunca circulara além da área das bilheterias, do café e do hall de entrada do teatro. Fiquei surpreso ao saber que essas instalações são apenas parte do grande espaço multiuso implantado pelo Sesc no local: oito andares dedicados à cultura e inovação. Voltei à rua. Outra disposição de ânimo. Embora não esperasse muito do circuito Jacques-Tamoio-Art Palácio, segui adiante. Como eu havia previsto, o resultado não foi dos mais animadores. No 337 da rua Tupis (Cine Jacques) encontrei um shopping center, no 500 da Tamoios (Cine Tamoio), uma loja de roupas, e no 627 da Curitiba (Cine Art Palácio), uma loja de eletro-eletrônicos. A surpresa ficou por conta do Art-Palácio. A antiga sala de cinema foi adaptada para receber a loja de eletro-eletrônicos, mas o telão, o teto e as paredes laterais, onde se vêm detalhes de época, foram preservados. Detalhes do interior da loja onde funcionou o antigo Cine Art Palácio Fiquei tão entretido com os detalhes que nem vi o tempo passar. Já estava na hora de voltar pra casa e ainda faltavam Royal, Brasil e Acaiaca. Tive que encurtar a caminhada. Eu sabia que os antigos cines Royal (Afonso Pena entre Caetés e São Paulo) e Acaiaca (Edifício Acaiaca) haviam se convertido em templos evangélicos. Considerei desnecessária a visita. Com certeza as salas de exibição foram preservadas para a realização de cultos. Restou o antigo Cine Theatro Brasil. Reformado pela Vallourec, o histórico cinema da Praça Sete, a exemplo do Cine Palladium, também se transformou em casa de espetáculos. Como eu já conhecia o espaço, dediquei meu tempo às demais instalações. Conheci as galerias de arte e sua interessante passarela de vidro, o Teatro de Câmara com suas poltronas da década de 30 totalmente restauradas e o Terraço Brasil construído durante a reforma do prédio. Depois fui conferir a programação. Dia 15 de julho eu e Lude vamos assistir “Marcos Catarina canta Vander Lee”.

Da Floresta ao Centro via Francisco Sales

Precisava comprar dobradiças para os armários da cozinha aqui de casa. Era sábado. Oito da manhã. Da Floresta, onde moro, ao final da rua Tamoios, onde estão concentradas as lojas que eu pretendia visitar, é um pulo. Naquele sábado, porém, quem comandava as ações eram meus pés. Só atinei pela coisa quando me vi descendo a toda a avenida Francisco Sales. Aí já era tarde para mudar os rumos da história e o jeito foi seguir adiante.    De repente, ops! Cadê o mural que figurava aqui? Eu havia chegado à esquina de Aquiles Lobo e fiquei surpreso ao encontrar ali um substituto. Mas tudo bem. O novo mural, assinado pelo artista Hyperaton, é um belo trabalho. Retrata um índio cavalgando animal alado em região desértica com disco voador ao fundo. Surreal. Mural do artista Hyperaton na esquina de Aquiles Lobo com Francisco Sales Mas a história não parou por aí. Logo adiante, ocupando toda a fachada do hipermercado que recentemente fechou as portas, mais um mural. Figuras humanas em azul e vermelho. Umas com máscara, outras desnudas. No canto inferior esquerdo, a assinatura Onelove. O artista talvez não saiba, mas o local onde apôs a assinatura já delimitou, antes do hipermercado, o antigo campo do América e muito antes, um parque. Isso mesmo: nos primórdios da capital, o Parque Municipal incorporava não só a área do antigo hipermercado, mas toda a área adjacente, incluindo os hospitais e parte do bairro Floresta. Fiquei ali parado, asas à imaginação… Agora que o hipermercado se foi, bem que podiam demolir o prédio e implantar um novo parque no local, resgatando, ao menos em parte, o verde original.   Mas os meus pés não queriam saber de conjecturas. Já dobravam a esquina de Alfredo Balena e não tive outra alternativa senão acompanhá-los. Passamos pelo Hospital das Clínicas e atravessamos a avenida. Eu tinha bons motivos para evitar a calçada dos hospitais. Do outro lado, a Escola Estadual Pedro II e a Igreja do Sagrado Coração de Jesus. Aí sim. A escola, uma bela construção da década de 40. A igreja, projetada em 1901, a segunda mais antiga da capital. Fiquei tão absorto que custei a perceber, lá no fundo, o céu de chumbo. Chuva? Igreja do Sagrado Coração de Jesus na avenida Alfredo Balena Desci Carandaí de um fôlego só e desembarquei na avenida Afonso Pena. Desta vez, os atrativos da nossa bela avenida não me detiveram. Cheguei rapidinho à Igreja São José. Passei os olhos pela fachada – cores originais restauradas – e virei à esquerda. Subi Tamoios. Na esquina da avenida Amazonas, a igrejinha do Rosário, esta sim a mais antiga de Belo Horizonte. Foi erguida um pouco antes de 1897 pela Comissão Construtora da Nova Capital, em substituição a uma capela que existiu próximo à esquina de Bahia com Timbiras, no antigo arraial do Curral Del Rei. Daí em diante, foi a reta sem fim de Tamoios. Cheguei esbaforido às lojas de ferragens, acompanhado dos primeiros pingos de chuva.   Deu um pouco de trabalho a instalação e regulagem das dobradiças, mas valeu a pena. As portas dos armários estão funcionando que é uma beleza!

“Carnaval” 2022

Sem aval não há carnaval. Foi o que aconteceu este ano em Belo Horizonte. A Prefeitura bateu o pé, disse que não apoiaria e deu no que deu. O único bloco que vingou foi o dos viajantes, que levou às BR’s e MG’s centenas de milhares de foliões. Aqui em casa, resolvemos aproveitar o feriadão para curtir a cidade. Foram quatro dias de caminhadas a dois. Sábado, Parque Linear Arrudas. Avenida dos Andradas. Mil e novecentos metros pra lá, mil e novecentos pra cá. Gente correndo, gente pedalando. A maioria das gentes caminhando. Domingo, Lagoa dos Ingleses. Alphaville. O verdenovo depois das chuvas, o azul do céu refletido no espelho d’água, as montanhas ao fundo: pintura. Domingo na Lagoa dos Ingleses (Foto: Lude G.B.) Após a caminhada, almoço em um dos restaurantes próximos à orla. Com direito a música ao vivo: Country Rock. Segunda-feira, Praça da Liberdade. A mais francesa das praças brasileiras era dos turistas. Escaldados com as ladeiras de Ouro Preto, os visitantes passeavam tranquilamente pela Alameda Travessia ou ziguezagueavam entre jardins e fontes. Nossa! era o que mais se ouvia. Em um dos bancos próximos ao coreto um jovem casal tocava Beatles. Ele no violão, ela no violoncelo. Em volta, crianças. Dançavam ao som de Help! Terça-feira, Praça Floriano Peixoto. Santa Efigênia. No gramado, à sombra das palmeiras, toalha estendida, matula: piquenique em família. Ao lado, crianças pedalando, correndo, saltando: bloco da pá virada.   Praça Floriano Peixoto no bairro Santa Efigênia (Foto: Lude G.B.) É verdade. Houve, aqui e ali, um arremedo de carnaval. Nada, entretanto, que prejudicasse o nosso programa. Muito pelo contrário. No sábado, por exemplo, enquanto caminhávamos na avenida dos Andradas, vimos passar, do outro lado, um veículo do tipo “trenzinho da alegria” com alguns foliões. Mais tarde soubemos que eram integrantes do Então, brilha, que circulou incógnito pela cidade. Naquele mesmo dia, já chegando em casa, tivemos que parar o carro e aguardar a passagem de um irreverente bloco que seguia pela nossa rua. Enquanto alguns integrantes se empenhavam em apressar os foliões retardatários e liberar o trânsito, nós, de dentro do carro, nos divertíamos acompanhando a evolução.  E na noite de segunda-feira, para não passar em brancas nuvens, desembarcamos no Shopping Bandeirantes, onde um grupo de músicos atacava de marchinhas de carnaval. Conosco, os casais Luiz Henrique e Mônica, Ailton e Paula. Ótima companhia. Ano que vem tem mais. Com ou sem aval.

De volta ao Parque Municipal

Terça-feira, dez da manhã. Depois de três dias de chuva, uma trégua. Não pensei duas vezes: caminhada no Parque Municipal. Estacionei o carro nas imediações da Escola Barão de Macaúbas na Floresta e desci a pé até a portaria Afonso Pena, que fica defronte ao Automóvel Clube. Fez o agendamento, perguntou o segurança. Não, respondi. Só pode entrar com agendamento, replicou ele… E como eu permanecesse ali parado, sem saber o que fazer, contemporizou: se o senhor quiser, pode fazer on-line. Respeito é bom e eu gosto. Aquele senhor, contudo, me pareceu desnecessário. Tive vontade de apontar para o céu o indicador e mostrar ao meu interlocutor onde está o verdadeiro senhor, mas me contive. O importante, naquele momento, era ser admitido no recinto. Fui ao celular. Baixar o aplicativo, fazer o cadastro, criar uma senha, confirmar a senha, aceitar os termos de utilização, etc., etc. O que parecia coisa à toa acabou se transformando numa verdadeira operação de guerra. Tive que dar a mão à palmatória: o senhor do moço da portaria foi merecido.    O Parque, que foi interditado no início da pandemia e havia sido reaberto naqueles dias, estava praticamente deserto. Caminhei pela ciclovia recém-pintada de amarelo-ouro sem encontrar uma bicicleta sequer. No Lago dos Marrecos e mais adiante no Lago do Quiosque, nenhum espectador. A Praça da Vitória de Samotrácia? Às moscas, como era de se esperar. Mesmo antes da interdição do Parque eram raras as visitas à réplica da famosa escultura, que foi instalada – vai entender – lá nos fundos, em sítio pouco frequentado. Réplica da escultura “Vitória de Samotrácia” (Foto: Lude G. B.) Passei pelo local aonde funcionou o Colégio Imaco na esperança de ver novamente em ação operários da construção civil. Em vão. A obra, inacabada (“Espaço Multiuso”), está paralisada há muitos anos. Seria um belo espaço dedicado à cultura e lazer. Afastei-me indignado: se foi para não fazer, porque é que desfizeram? Cruzei a Ponte Seca. Seca, porque não cruza rio ou córrego algum e sim uma área ajardinada. O curso d´água que por lá corria solto, foi, há muito, canalizado. Acaba Mundo. Do outro lado da ponte, na área dos brinquedos, tudo parado: roda gigante, trenzinho, carrossel. Ali perto, no Lago dos Barcos, nenhuma embarcação. Mais ao fundo, na Ilha dos Amores, passarinhos. Lago dos Barcos (Foto do autor) No Coreto, ninguém para apreciar a beleza dos jardins. Subi a escada. Lá de cima, recostado no gradil, me pus a refletir sobre a caminhada. Foi interessante? Sem dúvida. Mas faltou emoção. O que dá vida a um parque são as pessoas. Da próxima vez, vou levar pelo menos sete. Esposa, filhos e noras. Foto de abertura: Lude G. B.

Estadual Central: eu era feliz e não sabia

Final da década de 60. Eu tinha 15 anos, o canudo do curso ginasial nas mãos e um monte de ideias na cabeça. Iniciava o curso científico no Colégio Estadual Governador Milton Campos. Estadual Central.   Da Serra, onde eu morava, até o colégio era chão pra encardir. Eu fazia o percurso em duas etapas. A primeira, a pé. Saía de casa cedo e desabalava rua do Ouro abaixo até a avenida do Contorno, onde iniciava a segunda etapa, de ônibus. A bordo do Getúlio Vargas, eu me refazia da caminhada. Chegava inteiro ao colégio. Na volta pra casa era o inverso. Eu embarcava no Getúlio Vargas em direção à Savassi, descia nas imediações da Praça ABC e encarava a pé a subida da Serra: Cláudio Manoel, Estevão Pinto, Caraça, Serranos. Eu poderia encarar a rua do Ouro, mas a subida pela rua Estevão Pinto tinha um apelo irresistível: o Colégio Sacre Couer de Marie, de onde irrompiam, após o término das aulas, as colegiais mais lindas de Belo Horizonte, “naquela idade em que as moças adolescem e os moços adoecem”. Colégio Sacre-Couer de Marie à rua Estevão Pinto, bairro Serra (crédito: Google Street View) Ainda bem que nos sábados tinha aula de Educação Física. E futebol depois da aula de Educação Física. E caminhada até o centro da cidade depois do futebol. Era o que nos salvava, a mim e a outros pobres moços. Descíamos fazendo estardalhaço. Contando vantagens, lembrando os principais lances do futebol, jogando conversa fora. Descíamos ora por Espírito Santo, ora por Rio de Janeiro, quase sempre por São Paulo. Porque a preferência pela rua São Paulo? Sei não. Talvez por ser a ligação mais direta, ou quem sabe pelo fato de seguirmos junto à mureta do córrego do Leitão, que naquela época ainda corria a céu aberto por lá. O fato é que descíamos livres e soltos como as águas do Leitão. Até o ponto em que o córrego infletia para os lados da rua Padre Belchior. Aí atravessávamos Augusto de Lima e iniciávamos a subida de São Paulo em direção à avenida Amazonas. Na esquina de Tupis eu me despedia dos colegas. Quebrava à direita, passava em frente ao saudoso Cine Jacques, cruzava as ruas Rio de Janeiro e Espírito Santo e seguia em direção à avenida Afonso Pena. Cine Jacques à rua Tupis, na década de 60 (Foto: divulgação “Estado de Minas”) O ponto do Serra era logo adiante, em frente à Lojas Gomes, onde eu ficava namorando os discos dos Beatles que um dia iria comprar. Se Deus quisesse. Mas o que Deus queria mesmo é que o guerreiro fosse pra casa. E o guerreiro obedecia. Chegava e ia direto pra mesa. Depois pra cama, que ninguém é de ferro. Aí eram os planos para a noite, para os bailes de então. Às vezes dois ou mais no mesmo dia. O meio de locomoção? Os pés, naturalmente.  Desconfio que vem desta época o meu gosto pelas caminhadas. Foto de abertura: Colégio Estadual Central na década de 60 (divulgação Revista Encontro)