Os caminhos da Serra do Curral

Alguns dias após a mudança eu já conhecia toda a turminha da rua Serranos. Um monte de pirralhos cujo lema era um só: não ficar em casa. Com essa turminha joguei futebol, queimada, bente altas. Brinquei de polícia e ladrão, pique esconde, ‘roba’ bandeira. Fiz guerras de mamona, participei de corridas de carrinhos de rolimã, soltei papagaio.    Mas para mim não havia nada mais fascinante do que as expedições que fazíamos à Serra do Curral. Nestas ocasiões eu acordava cedo e ficava de plantão na porta de casa até que algum outro participante desse as caras. O papo era sempre o mesmo: nem dormi direito essa noite e você? À medida que o resto da turma ia chegando o papo ficava mais animado, o alvoroço ainda maior. E logo o grupo estava formado: uma penca de pré-adolescentes ávidos por aventura. Mas cadê o guia? E lá vinha ele, o pai de dois meninos e uma menina do grupo. Gente finíssima, tanto no trato conosco, quanto no aspecto físico. Hora de inspecionar matulas, provisões de água, calçados e de um sem número de recomendações que só faziam aumentar a nossa ansiedade. Terminada a inspeção, era o estouro da boiada. Cada um por si e Deus por todos subíamos Caraça, passávamos em frente ao portão da mineradora Ferrobel e seguíamos até o final da rua. Estávamos no Morro. Cruzávamos os barracos dando bom dia aos moradores, muitos dos quais já conhecíamos de vista, e logo chegávamos ao pé da Serra. A subida se fazia não sem esforço. Sol na moleira, terra vermelha, seixos de minério espalhados pelo caminho. Adaptando Drummond, diríamos noventa por cento de ferro ‘nos calçados’, oitenta por cento de ferro nas almas. Chegávamos lá no alto exaustos e famintos. Arriávamos. Legitimados pela premência da situação, atacávamos sem cerimônia as nossas matulas. Saciada a fome, cada pirralho procurava um canto para o merecido descanso e, não raras vezes, um breve cochilo. Alguns pirralhos, entretanto, porque não tivessem sono ou o que fazer, aproveitavam o momento para atazanar a vida dos colegas. Certa vez, um desses espécimes aproximou-se de mim e perguntou se eu tinha medo de bicho grande. Diante da minha óbvia aquiescência, foi logo dizendo pois tome cuidado, uma onça apareceu por essas bandas outro dia mesmo. Fiquei tenso. Desnecessariamente, talvez. Por outro lado, em outras ocasiões houve tensão de fato. Coletiva. Foi o caso de um dos nossos amiguinhos que resolveu demonstrar seus pendores acrobáticos e se deu mal. Estávamos reunidos na hora do lanche à beira de um córrego. De repente ouvimos o famoso grito Tarzaaaaaan! e logo em seguida um baque…   Tarzan resolvera atravessar o córrego pendurado num galho de cipó, mas se esquecera de que os corpos se movem no espaço. O fato é que nosso guia, talvez buscando melhor ângulo para uma foto, se postou exatamente no ponto de aterrissagem do Homem das Selvas e foi atingido em cheio. Rebuliço geral. O transe durou alguns segundos. O tempo necessário para que a vítima se refizesse do susto e dissesse não se preocupem, estou bem. Alívio geral. Principalmente para o autor da façanha, que já não sabia onde enfiar a cara. Outra situação dramática aconteceu certo dia em que estávamos nos preparando para voltar e o tempo, que até então estivera perfeito, mudara sem prévio aviso. Com receio de um temporal (e raios), saímos em debandada. Daí a pouco estávamos completamente perdidos. Só me lembro de que após várias tentativas frustradas de encontrar o caminho de volta, acabamos descendo aos trancos e barrancos pelas escarpadas encostas da Serra, rezando para não despencar lá de cima. Choveu nada. O que sei é que cheguei em casa com pó de minério até a alma. Drummond tinha razão… Imagem de abertura: PBH / Reprodução

A casa da Serra

Nasci em 1954. Até os 10 anos de idade morei no Edifício Teodoro, pertinho da Praça 7: Afonso Pena com Tupinambás. O Teodoro é um dos edifícios mais antigos de Belo Horizonte. Não sei exatamente quando foi construído, mas pelo ano de fundação do Café Palhares (1938), que desde sempre funcionou em uma de suas lojas, dá pra se ter uma ideia. Eu morava no último andar e ficava o dia inteiro na varanda do apartamento. Não me cansava de admirar os dois renques de fícus que corriam lado a lado ao longo da avenida Afonso Pena e se confundiam, lá no alto, com a Serra do Curral. Da varanda eu observava tudo, cismava: onde estão as crianças do prédio em frente que nunca aparecem? Para onde vão os bondes que circulam lá embaixo, no meio das árvores? Será que a avenida continua do outro lado da Serra? Esta rotina só mudou após o meu décimo aniversário, quando meus pais adquiriram uma casa na rua Serranos e para lá nos mudamos. Saímos do sétimo andar de um prédio no centro da cidade para o rés do chão em um bairro ainda pouco habitado, a Serra. Eu saí do curso primário no Instituto de Educação para o ginásio no Colégio Estadual da Serra. Da calça curta para a calça comprida. Da Aritmética para a Matemática, da Língua Pátria para o Português, das Ciências para a Geografia e a História. Achei que era gente grande. Não era. Bastava chegar em casa e tirar o uniforme do colégio para que a criança tardia que acabara de despertar em mim se manifestasse. No início contentei-me em explorar a área de lazer do meu novo endereço. O quintal, o corredor, o pequeno jardim frontal. Depois, aos poucos, fui aumentando o meu raio de ação. Eu não sabia o que fazer. Atravessar o córrego que havia no final da rua e desvendar os mistérios da outra margem? Explorar o lote vago em frente de casa? Subir Caraça em direção ao Morro? Descer Angustura em busca de aventura? Na dúvida, eu zanzava pra lá e pra cá. Atravessei o córrego e descobri que do outro lado havia uma rua e logo adiante uma trilha, um atalho para chegar ao colégio. Maravilha! Embrenhei-me mato adentro e vi que o lote em frente de casa não tinha fundo. Acabava no fim do mundo. Subi Caraça até o portão de uma mineradora e vi que dali até o Morro era longe pra cachorro. Desci Angustura e descobri porque os meninos da vizinhança não saíam de lá. Encontrei vários deles em um descampado. Soltavam papagaio. E eu me soltava cada vez mais. Desfrutava, com tudo a que tinha direito, o mundo novo que havia se escancarado diante de mim. Foi assim que me tornei Walker.

Avenida José Cândido da Silveira

A avenida José Cândido da Silveira começa no bairro Cidade Nova e termina no bairro Santa Inês, região Leste de Belo Horizonte. A pista de caminhada foi implantada no canteiro central da avenida. Começa na altura da rua Dr. Júlio Otaviano Ferreira (Cidade Nova) e termina na altura da rua José Moreira Barbosa (Santa Inês), próximo ao entroncamento com a MG-05 (Estrada de Sabará). Tem aproximadamente 2.300 metros de extensão, é pavimentada e está em razoáveis condições, sendo utilizada tanto por caminhantes quanto por praticantes de corrida. O local é bastante frequentado, principalmente aos domingos, quando uma das pistas da avenida é fechada ao trânsito de veículos, proporcionando mais espaço e conforto para os usuários. A avenida é arborizada, porém com falhas em alguns trechos. A topografia é ligeiramente acidentada, alternando trechos planos com subidas e descidas. Facilidades: – Há 2 parques municipais na região: Parque Ecológico Prof. Marcos Mazzoni, na esquina da rua Dr. Júlio Otaviano Ferreira, e Parque da Matinha, 200 metros adiante, seguindo pela avenida em direção ao bairro Santa Inês; – Aos sábados, domingos e feriados há ponto de venda de água de côco e água mineral; – Há equipamentos públicos para a prática de exercícios físicos ao longo da pista; – O local é servido por várias linhas de ônibus. Pontos de atenção: – O local deve ser evitado à noite; – O local deve ser evitado em horários de sol a pino; – Há trânsito de veículos junto à pista.

O blog e sua história

Quando decidi criar o blog caminhada.org, eu tinha em mente apenas o tema central. Ainda não sabia por onde começar e mergulhei fundo em publicações do tipo ‘benefícios da caminhada’, ‘caminhada na melhor idade’ e ‘caminhada versus sedentarismo’, entre outros. Voltei à tona disposto a explorar este filão, mas logo desisti da empreitada. Achei que o blog iria ficar parecido com site de aconselhamento em saúde e resolvi dar um tempo até que a poeira assentasse e eu enxergasse com mais clareza o caminho a seguir. E não é que deu certo? Um belo dia me veio a inspiração: já que você gosta tanto de caminhar pelas ruas de BH, porque não escreve sobre o assunto? Troquei ideia com a turma mais nova aqui de casa, que na mesma hora me apoiou e ajudou a materializar o projeto. Foi assim que criei o blog e publiquei, em agosto de 2015, o primeiro artigo, um relato das minhas experiências como caminhante desde os tempos da adolescência. A partir daí a coisa foi tomando corpo. Juntei a fome com a vontade de comer. O prazer de caminhar com o gosto de escrever. Já relatei minhas andanças pelos bairros Santa Tereza, Santa Efigênia, Lagoinha, Floresta, Pampulha e Savassi. Pelo chamado Baixo Centro e pelas regiões do Barro Preto e da Boa Viagem. Nas praças Sete, da Estação e da Liberdade. No Parque Municipal, no Horto Florestal e por aí afora. Sempre procurando mostrar, e muitas vezes (re)descobrindo, o que a cidade tem de melhor. Hoje, 5 anos e 62 artigos após a criação do blog, penso que fiz a escolha certa. Eu só não contava com uma pausa tão longa nas minhas caminhadas de rua. Mas não há de ser nada. Haveremos de sair fortalecidos desta pandemia. É o que espero. Ainda tenho muito chão pra caminhar. E muita história pra contar.

Minhas caminhadas em tempos de pandemia

Acordo cedo. Invariavelmente. Inauguro o dia. Às seis, café da manhã. Meia hora depois, caminhada na quadra do prédio. Tem sido esta a minha rotina nas três últimas semanas. Jeito que encontrei de continuar me exercitando nestes tempos de pandemia sem ter contato com outras pessoas. A monotonia? Quebro circulando de um lado pro outro. Da quadra para o play-ground, dali para a área da churrasqueira e assim por diante. Sempre observando os detalhes. Os mínimos detalhes. No quintal do vizinho o muro recortado em meia lua para permitir a passagem de um galho de árvore, a chaminé da churrasqueira em tijolos aparentes contra o fundo branco da parede, um bem-te-vi escondido atrás do seu canto. Aqui no prédio a canaleta sem tampa na entrada da churrasqueira (cuidado!), a numeração invertida das casas do jogo da amarelinha (coisa de canhoto), a perfeita desordem das magrelas no bicicletário, o trançado de fios que restou do cesto de basquete, as emendas do alambrado, o gol todo furado. Quando me canso dos detalhes faço uma pequena pausa para observar o todo. E agradecer. O céu de abril, ora aberto, ora fechado em cinza, o sol começando a mostrar as caras, as veneráveis mangueiras do prédio ao lado, herança de chácara que existiu por aqui há décadas, as múltiplas janelas que observam o caminhante em seu périplo cotidiano. Quando atino pela coisa, já se passaram os 50 minutos regulamentares de caminhada. Aí é voltar pra casa, tomar um banho e curtir o resto do dia. Com fé e alegria!

Carnaval de BH: um pé cá, outro acolá

Que nos últimos anos o carnaval de BH estourou e é hoje um dos melhores do Brasil todo mundo já sabe. Tem bloco para todos os gostos, todos os ritmos, todas as tendências. Em todo lugar. Mas o carnaval de BH tem uma particularidade que o torna ainda mais interessante: a facilidade de circular de um lado pro outro sem precisar de carro ou transporte público. Centro – Floresta – Santa Tereza, Santa Tereza – Santa Efigênia, Funcionários – Savassi. Aí estão algumas rotas para quem gosta de curtir a folia a pé. Divertido e saudável. Este ano eu e Lude não falhamos um dia sequer. E fizemos tudo a pé. Ou quase tudo… No sábado, acordamos cedo e acompanhamos o concorrido Então, Brilha desde as imediações da rua Rio de Janeiro até o viaduto da Floresta. Show de bola! Bloco Então, brilha! nas imediações da rua Rio de Janeiro (Foto: André Paiva / Divulgação) Depois subimos o viaduto, viramos à direita na rua Sapucaí e seguimos até a avenida Assis Chateaubriand. Lá estava a turma do Ladeira Abaixo com suas marchinhas do carnaval de antigamente. Pura nostalgia. Aí foi um tour pelos caminhos da Floresta: a Praça Zamenhoff, a estreita rua São Geraldo, a drummondiana Silva Jardim, a curiosa Itajubá (única rua de BH que não muda de nome ao cruzar a Contorno) e a Praça Comendador Negrão de Lima, verdadeiro oásis em meio ao caos da rua Curvelo e imediações. Na pracinha, como é mais conhecida a Comendador Negrão de Lima, alguns foliões já se concentravam para a saída de mais um bloco. Só que o nosso gás estava no fim e o jeito foi voltar pra casa, que ninguém é de ferro, né? Domingo era dia de Chama o Síndico e lá estávamos nós. Praça da Estação. Seguimos o bloco até as imediações do Parque Municipal. Tim Maia e Jorge Ben Jor. Maravilha. Fio Maravilha… Bloco seguinte, Batiza. E dá-lhe caminhada: viaduto Santa Tereza, avenida Assis Chateaubriand, rua Silva Ortiz, Praça do Lions, Mucuri, Ourissanga e o lado “B” da avenida Bernardo Monteiro, que pouca gente conhece. Bloquinho animado e cheio de gente bonita, viu? Bloco do Batiza descendo a rua Silva Ortiz na Floresta (Foto: Lude G.B.) Na segunda pegamos mais leve. Durante o dia, nada de rua. Pela manhã, relax total. À tarde, lanche com os filhos, inclusive o mais velho, que veio do Rio com a esposa curtir o carnaval em BH. Folia mesmo só à noite: Bloco da Esquina no Bar do Museu Clube da Esquina. Vocês já sabem: Divinópolis com Paraisópolis. Santê. Terça-feira, Juventude Bronzeada. Onze da manhã. Assis Chateaubriand lotada e o casal 20 firme no arreio. Deu canseira, mas valeu a pena. Uma das melhores baterias do carnaval de BH. E o Bartucada, que havíamos planejado acompanhar lá pelos lados do Colégio Arnaldo? Ficou só na vontade. Afinal, tínhamos que economizar as baterias para a sessão da tarde. Magnólia, o nome da vez. Um dos nossos blocos favoritos. Jazz em ritmo de carnaval. Lá no Caiçara. Mas aí fomos de uber, é claro.     

Da praia à Estação

Férias de novembro. Uma semana em Morro de São Paulo, uma semana em BH. A temporada baiana foi ótima. Sol de primavera, praias de cinema, passeios de barco, muita sombra e água fresca e a adorável companhia da Lude. Mas a semana em BH também foi legal: segunda e terça caminhei na pracinha do bairro; quarta na rua Sapucaí; quinta no Parque Municipal; sexta na Praça da Liberdade e domingo na avenida dos Andradas. Pulei o sábado, né? Foi sem querer, querendo. Modo de palavrear um pouco mais com vocês. Espichar assunto. E o que não faltou naquele dia foi assunto… Tudo começou na cama. Acordei pensando hoje vou caminhar num lugar diferente. Tomei café, troquei de roupa, escovei os dentes e nada de lugar diferente. Calcei o tênis e aquilo martelando na minha cabeça, martelando, martelando até que me veio a inspiração. Sai de casa em dois tempos e em menos tempo ainda cheguei ao meu destino, a esplanada da Praça da Estação. Terreno plano, pavimento sem defeito, fluxo de pedestres quase nenhum. Perfeito! Esplanada da Praça da Estação (Foto: Cristiane Mattos / O Tempo) Foram 50 minutos de caminhada, quase uma hora de puro prazer. Passos ritmados, eu seguia a plenos pulmões. Olhar atento, eu não perdia um detalhe sequer. O belo prédio da antiga Estação da Central do Brasil, o jardim anexo, o Monumento à Civilização Mineira, as torres de iluminação, o calçamento das ruas em paralelepípedo. A cada volta eu me esbaldava e confirmava a assertividade da minha escolha. Finda a caminhada, deixei-me levar até o prédio da antiga Estação e adentrei o recinto, como dizíamos os colegas do CPOR lá pelos idos de 1973. Eu estava diante do luxuoso saguão do Museu de Artes e Ofícios e não resisti à tentação de uma rápida visita. Coisa de dez minutos, se tanto. Coisa pouca, mas suficiente para um breve passeio pelos “Ofícios do Transporte” e pelos “Ofícios Ambulantes”. Quando me preparava para ir embora, a surpresa: uma balança – acreditem – de pesar escravos. Museu de Artes e Ofícios – Canoeiro (Foto: José Walker) Ainda deu tempo de passar na Bagueteria Francesa, início da avenida Santos Dumont, e levar pra casa aquele que considero um dos melhores pães de BH. Bom demais! Foto de abertura: Pedro Vilela / MTur

Ano Novo

Feliz Ano Novo! Quantas vezes você ouviu esta saudação nos últimos dias? Perdeu a conta, né? É o que é. Expressão gasta pelo uso. Você perde a conta, a saudação o sentido. Este ano, que tal desejarmos uns aos outros Feliz 2020, 2020 e um, 2020 e dois, …, 2020 e nove. Ou simplesmente, Feliz Década Nova! Pense bem. Outra conjunção igual a esta, ano e década novos, só em 2030. Portanto, aproveite os bons fluidos e dê uma guinada em sua vida. Pratique caminhada regularmente. Saúde e disposição não vão faltar. Pode acreditar. Mas cuidado! Vá devagar. E sempre. Não queira tirar o atraso logo de cara. Não force a barra. Vá aumentando o ritmo e o percurso aos poucos. Logo você chegará ao seu nível de aptidão ideal e não vai querer mais parar. Belo Horizonte é uma caixinha de surpresas. Deixe-se surpreender. Enquanto caminha, observe o que se passa ao redor. A cidade é um organismo vivo. O caminho pode ser o mesmo, mas as ruas, a atmosfera, as pessoas nunca são as mesmas. Isso faz toda a diferença! E então, vamos começar uma nova década de caminhadas pelas ruas de BH? Foto de abertura (Praça da Estação à noite): Welington Augusto

Dois coelhos de uma caminhada só!

Bati o olho no mapa e disse é aqui. No canto da tela, uma área três vezes maior que o Parque Municipal. Zoom: de um lado a avenida José Cândido da Silveira, do outro a rua Gustavo da Silveira. Horto Florestal, pensei com meus botões, é pra lá que eu vou. Fui. Ou melhor, fomos. Eu e Lude, que aderiu ao programa na última hora. Só que eu estava desatualizado. O Horto Florestal não existe mais. Agora, o nome do lugar é Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG. Implantado em uma reserva de Mata Atlântica, o Museu possui um acervo de centenas de milhares de itens “contextualizados nas áreas da Arqueologia, Paleontologia, Geologia, Botânica, Zoologia, Cartografia Histórica, Etnografia e Arte Popular”, entre outras.    Na entrada, o porteiro disse dez reais cada um. Apesar da receptividade do cidadão, gostei. Senti-me um jovem de 50 anos. Mas não paguei. É pra isso que serve a carteira de identidade de sexagenário, não é mesmo? No começo, seguimos as placas indicativas. Mas logo perdemos o rumo. O que queríamos era andar a esmo, curtir a natureza, deixar para trás os rastros da cidade grande. Deixamos. E nos embrenhamos matadentro. De repente, um pequeno lago. Pausa para escutar o silêncio do lugar, relaxar. Relaxamos. Depois seguimos em frente, cada vez mais perdidos. No caminho, árvore de tudo que é jeito: árvore caída, árvore com raiz exposta, árvore em forma de animal, o escambau. Animal de verdade? Vimos também. Micos, maritacas, esquilos e outros bichos de menor envergadura. Esquivos. Ou será que estavam é se exibindo, brincando de esconde-esconde conosco? Sei lá. Só sei que a hora do almoço se aproximava e o jeito foi seguir adiante. De repente, uma clareira no meio da mata e uma casa antiga muito bem conservada: Centro de Referência em Cartografia Histórica. Pena que estava fechado. Só conseguimos ver alguns mapas expostos na varanda. Saímos de lá um pouco decepcionados, mas não perdemos o pique. Parece que estávamos prevendo o que nos esperava logo adiante: salas de exposição muito bem montadas nas áreas de Arqueologia, Etnografia e Geologia. Desta vez, em pleno funcionamento. No final, o Presépio Pipiripau. Obra de vida inteira do artesão Raimundo Machado, o curioso presépio foi construído com barbantes, carretéis de linha, polias, mecanismos de relógio e acreditem, peças de radiolas e gramofones. Manhã intensa aquela. Começou de forma inusitada, com a busca de um novo local de caminhada e a adesão de última hora da Lude. Depois vieram as surpresas: a beleza do Jardim Botânico e a descoberta do Museu de História Natural. Matamos dois coelhos de uma caminhada só! Foto de abertura e demais fotos: José Walker

Fazendo arte na Lagoinha

Sábado, 14 de setembro. Acordei cedo. Sebo nas canelas, encarei o sobedesce do Colégio Batista e desembarquei na rua Diamantina para conferir o que estava rolando no penúltimo dia do CURA – Circuito Urbano de Arte da Lagoinha. O CURA tem como proposta a revitalização da paisagem urbana através da pintura artística de fachadas de prédios voltadas para um local predefinido de onde o público acompanha, à distância, o trabalho dos artistas. O movimento teve início em 2017, no centro da cidade. As amigas Janaína Macruz, Juliana Flores e Priscila Amoni queriam colocar BH no mapa mundial da Street Art e conseguiram. Já temos 10 painéis gigantes assinados por diversos artistas do Brasil e do exterior. No caso da Lagoinha, o público se concentrou na rua Diamantina, entre as ruas Rio Novo e Borba Gato, de onde se tem uma vista privilegiada do bairro: Mirante Diamantina. Foi lá que desembarquei naquele sábado e de lá que acompanhei as últimas pinceladas de Raquel Bolinho na fachada do Edifício Novo Rio. A fachada ganhou vida nova com as múltiplas facetas do personagem que, de tão cativante, acabou se incorporando ao nome da artista. Mas o argentino Elian Chali não deixou por menos. Utilizando cores vivas, o hermano conseguiu renovar completamente a fachada do prédio do SENAI, que fica em frente ao mirante, do outro lado da avenida Antônio Carlos. Show de bola! Show também o trabalho de Priscila Amoni, que tomou emprestado a Adélia Prado o “alaranjado brilhante” do poema “Impressionista” e deixou o bangalô do alto do morro “constantemente amanhecendo”. Eu vi! Vi também que logo logo o clima iria esquentar na rua Diamantina. A montagem dos estandes das cervejarias e da Feira de Gastronomia e os testes da equipe da música não deixavam qualquer margem de dúvida. Enquanto o clima não esquentava, fiquei zanzando por lá, xeretando. Belos textos de Daniel Queiroga, um dos idealizadores do evento, podiam ser lidos em cavaletes espalhados ao longo da rua, verdadeira aula de história para quem quisesse penetrar os mistérios da Lagoinha. Através dos textos de Queiroga fiquei sabendo, por exemplo, que o primeiro bloco de carnaval de BH, o “Leão da Lagoinha”, foi criado em 1947 em um clube de futebol da região e que seu nome é uma homenagem ao Villa Nova de Nova Lima, o “Leão do Bonfim”.  E por falar em Bonfim, vocês sabiam que o Cemitério do Bonfim foi o único da cidade até 1942, quando foi inaugurado o Cemitério da Saudade? Que a cúpula metálica do necrotério foi trazida da Bélgica e tombada pelo IEPHA em 1977? Sabiam que o Conjunto IAPI foi o primeiro condomínio residencial em blocos de apartamentos de BH? Que os moradores circulam de um bloco ao outro através de passarelas elevadas? Que o Conjunto abriga em seus 928 apartamentos aproximadamente 5.400 pessoas? Sabiam que o famoso Copo Lagoinha foi eleito nos anos 1990 o melhor copo para se tomar cerveja e que foi introduzido em Belo Horizonte pela tradicional família Vaz de Mello, que já comerciava na região bem antes da inauguração da Capital, em 1897? Tudo isso eu aprendi naqueles textos. Aprendi também que nem só de fachadas de prédios vive o CURA. O muro do lote vago em frente ao Mirante Diamantina que o diga. Depois que passou pelas mãos dos grafiteiros Wanatta, Saulo Pico e Fênix tornou-se uma atração à parte. Finalmente, fui conferir o trabalho da BHTrans. É isso mesmo! A empresa também participou do CURA Lagoinha. Pintou o asfalto da rua Diamantina em cores vivas, criando sinuosidades no traçado. É a chamada “Zona 30”, que pretende limitar a velocidade dos veículos a 30 km por hora. Será? Foto de abertura: intervenção do artista Elian Chali no prédio do SENAI Lagoinha (Foto: Lude G.B.) Mais fotos? Veja a seguir: