Um lugar chamado Baixo Centro

No último sábado eu estava inspirado e joguei um bolão. No primeiro tempo tive um rendimento melhor, devo confessar. No segundo tempo, embora tenha diminuído o ritmo, aguentei firme até o final. Brincadeira! Há muito tempo que não encaro uma partida de futebol. A analogia é para explicar como foi a caminhada que fiz naquele sábado, que teve, como no futebol, dois tempos distintos. No primeiro tempo fiz a minha atividade física, uma caminhada em ritmo acelerado na Sapucaí. Foram 4.000 metros em 40 minutos. No segundo tempo fui dar um passeio pelo chamado Baixo Centro de BH. Em 50 minutos de caminhada não fiz mais do que 1.500 metros. Comecei nas imediações da antiga Escola de Engenharia da UFMG e fui avançando pelo flanco direito de Bahia até Amazonas. Em seguida, subi Caetés e enveredei por Curitiba e Guaicurus até voltar ao ponto de partida. Um giro de 360 graus. Logo no início me deparei com o Estação CentoeQuatro, espaço cultural instalado na antiga fábrica 104 Tecidos (Guaicurus entre Bahia e Andradas). Café, cinema e galeria de arte em um único endereço. Para quem não conhece, é fácil identificar o prédio: a chaminé da antiga fábrica de tecidos ainda está de pé. Na esquina de Bahia com Guaicurus uma boa notícia: o prédio da antiga Biblioteca da Escola de Engenharia está em reforma. Sinal de que o projeto de revitalização do Baixo Centro finalmente está saindo do papel. Mais adiante foi a vez de admirar o prédio do Centro Cultural da UFMG (Bahia com Santos Dumont). Bela construção, muito bem conservada. Merece uma visita, de preferência em dia de evento cultural. Centro Cultural da UFMG (Santos Dumont com Bahia) Em frente ao Centro Cultural da UFMG a grande novidade é a Bagueteria Francesa (Santos Dumont 201, com estacionamento próprio). Lá “os pães são produzidos com levedura natural e assados no lastro, conforme tradição francesa”, segundo os proprietários. Imperdível! Bagueteria Francesa vista do interior da loja Na Amazonas com Caetés o que chamou a minha atenção foi o Edifício Aurélio Lobo. É um digno representante do estilo eclético que predominou nos primórdios da capital. Abrigou, durante muito tempo o tradicional Hotel Sul Americano. E por falar em Caetés, a rua é uma atração à parte. Considerada “Área de Conjunto Urbano” pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte, seus prédios históricos constituem um importante acervo arquitetônico. O mais significativo é o prédio do antigo Cine Teatro Comércio (Caetés com São Paulo), que identifiquei facilmente pelo azul da fachada e por sua bela cúpula. É outro que está em reforma. Prédio do antigo Cine Teatro Comércio (São Paulo com Caetés)  Referência na Caetés é também a Casa Salles, fundada em Ouro Preto em 1881. Veio para Belo Horizonte em 1904 e funciona até hoje no mesmo endereço (São Paulo 325, esquina de Caetés). Começou vendendo “secos e molhados” e depois se especializou em venda de armas e cutelaria. Mas quem vem roubando a cena ultimamente no Baixo Centro é a rua Guaicurus, onde proliferam os sobe e desce, hotéis em que os hóspedes vão à procura de sexo e permanecem não mais do que 15 minutos, em média. O mais famoso é o Magnífico Hotel, que ficou conhecido através da minissérie Hilda Furacão da Rede Globo (1998), baseada no romance homônimo de Roberto Drummond. Foi lá que se hospedou a personagem que dá nome ao romance do ilustre escritor de Santana dos Ferros. Mais um que está sendo reformado. Magnífico Hotel (Guaicurus com São Paulo) Famosa também é a folia da Guaicurus. Foi lá que surgiu uma das maiores revelações do carnaval de BH, o bloco Então Brilha, cujo nome é uma alusão às profissionais do sexo que atuam por lá há mais de 70 anos. Acham que acabou? Acabou não! O Baixo Centro de BH é uma fonte inesgotável de inspiração. Difícil foi escolher, dentre as dezenas de fotos que tirei, as mais representativas. Mas não se preocupem, resolvi publicar à parte as que não puderam sair no artigo por falta de espaço (para acessá-las, clique aqui). Uma coisa é certa: o Baixo Centro quer brilhar. Então, brilha! Foto de abertura e demais fotos: José Walker Mais fotos? Aí estão:

Subir Bahia, descer Floresta

Sabe aquele domingo de inverno em que você acorda meio grogue, abre uma nesga de cortina e dá de cara com um baita dia ensolarado? Você tem duas opções, não é mesmo? Ou volta pra cama e curte o friozinho debaixo do edredom, ou desperta de vez e vai pra rua. Eu sou mais a segunda. E tenho tirado bom proveito disso. Um exemplo? Aconteceu recentemente, no domingo em que os tapumes da Praça da Liberdade estavam sendo grafitados por um grupo de artistas. Naquele dia fiz uma caminhada antológica: subi Bahia e desci Floresta, como fazia o compositor Rômulo Paes nos bons tempos de outrora. A subida foi rápida. Saí de casa no bairro Floresta e em meia hora cheguei à Praça da Liberdade. Eu estava curioso para ver o trabalho dos 54 artistas selecionados pela Prefeitura para preencher o branco dos tapumes com suas cores.  O clima era de descontração e nem podia ser diferente. Olha só os nomes de alguns artistas que participaram do evento: Bolinho, DaLata, Dninja Bichocoisa, Figo, IronDois, Maizena, Na Tora Crew, SurtoReal, Testa. Fiquei zanzando por lá, conversando com um e outro, especulando. Tempo voou. Quando atinei pela coisa, já estava na hora de voltar. Desci ao sabor do acaso, curtindo o que vi pelo caminho: Na Aimorés entre Bahia e João Pinheiro, o belo casarão de 1914 que pertenceu ao advogado e escritor Afonso Pena Júnior, filho do ex-presidente Afonso Pena; Na João Pinheiro entre Timbiras e Guajajaras, outro casarão ou o que restou de outro casarão mais antigo ainda, de 1897, hoje integrado ao prédio da Faculdade Promove; Na Goiás entre Alvares Cabral e Bahia, mais um casarão muito bem conservado, de 1916 (uma surpresa para mim, que há muito tempo não passava por lá); E ainda na Goiás, quase esquina de Bahia, os dois amigos Pedro e Carlos, Nava e Drummond, eternizados através das esculturas do artista plástico Léo Santana no território que lá pelos idos de 1920 foi o refúgio, o lugar de estar do médico-memorialista e do farmacêutico-poeta.   Como vocês viram, fiz um programão. Subi Bahia, visitei uma galeria de arte a céu aberto e desci Floresta passeando pela história de Belo Horizonte. Bom demais! Foto de abertura: rua da Bahia na década de 20 (Arquivo EM #oldtimes #BHantiga) Mais fotos da caminhada? Aí estão: Casarão que pertenceu a Afonso Pena Júnior

Uma quinta pra lá de especial

Semana passada deixei o carro da esposa na oficina para alguns reparos e serviços de pintura. Ela teve que se virar com os aplicativos de transporte ou se locomover a pé mesmo, pois não está acostumada a andar de ônibus. No princípio ela estranhou, mas aos poucos foi se adaptando ao novo esquema e no final da semana já nem se lembrava do carro. Na quinta-feira, por exemplo, foi de Uber até o Pátio Savassi e de lá me ligou marcando um encontro. Queria voltar pra casa comigo. Caminhando! Achei a coisa mais chique do mundo. Era a primeira vez que faríamos juntos o trajeto que faço todos os dias ao voltar do trabalho: Contorno, Pernambuco, Getúlio Vargas, Ceará (ou Piauí), Brasil, Maranhão e novamente Contorno, onde pego o Circular em direção ao bairro Floresta, caminho de casa. Encontrei-a na saída da Lavras e iniciamos a nossa jornada. Tive que diminuir o ritmo para que ela pudesse me acompanhar, mas tudo bem. Naquele momento o importante não era a caminhada em si, mas o caminho a seguir. Barão do Rio Branco (Getúlio Vargas entre Tomé de Souza e Rio Grande do Norte): construído no início do século passado para abrigar os filhos dos funcionários públicos que vieram de Ouro Preto para erguer a nova capital, o prédio da Escola Estadual Barão do Rio Branco acaba de ser restaurado. Passamos por lá no final da tarde e ficamos impressionados com o que vimos. A pintura da fachada, o imponente pórtico de entrada, as grandes janelas em madeira e vidro, tudo foi cuidadosamente restaurado, valorizando ainda mais a construção. Fachada do Barão do Rio Branco após a restauração (foto: José Walker) Casa di Irene (Getúlio Vargas com Rio Grande do Norte): velha conhecida dos tempos de namoro, no início dos anos 80. Naquela época, quando a fome apertava, não tinha erro: torta de frango da Casa di Irene. A Serenata (Getúlio Vargas com Santa Rita Durão): tradicional loja de instrumentos musicais de BH. Breve pausa para que a companheira de caminhada, que é pianista, pudesse namorar alguns pianos Yamaha expostos na vitrine. Pena que o namoro não tenha resultado em casamento: os preços estavam bastante proibitivos. Bar da Dalva (Praça ABC): ponto de referência da praça, juntamente com o Edifício Panorama, a Casa Bonomi e o novíssimo Edifício abc65, o Bar da Dalva é um dos preferidos da moçada que transita pela região da Savassi. Deu vontade de sentar e pedir uma cervejinha, mas ainda tínhamos um bom trecho a percorrer. Seguimos em frente. João Rosa (Piauí entre Getúlio Vargas e Bernardo Guimarães): há décadas no mesmo endereço, serve uma das melhores comidas a quilo da cidade (desconfio que o nome do restaurante seja uma homenagem ao grande escritor de Cordisburgo. Será?) Spiral com Café (Carandaí com Piauí): o espaço é um misto de cafeteria, livraria e loja de presentes. Estabelecido há 12 anos no mesmo endereço, tem como atração à parte os bolos de fabricação própria (mais de 30 sabores). Não resistimos ao charme do lugar e nos sentamos para um capuccino com pão de queijo.  Spiral com Café, vista interna (foto: Bruno M.) Asa de Papel (Piauí com Brasil): espaço multiuso onde também funciona uma cafeteria, a proposta do Asa de Papel é congregar em torno do cafezinho os amantes de arte em geral. Através de uma “gestão coletiva e economicamente criativa” como definem os 50 amigos que se uniram para criar o espaço, o Asa é um lugar democrático, aberto a exposições individuais e coletivas, palestras, saraus, debates, etc. Passamos por lá no início da noite. Batemos um papo animado com alguns dos frequentadores e aproveitamos para ver a exposição de fotos “Índia, a espera” do cinegrafista Henrique Mourão, resultado de sua expedição à região da Caxemira, norte da Índia. Maravilha! Mas já estava ficando tarde. Hora de ir pra casa. Pegamos Brasil, depois Maranhão e seguimos até Contorno. Fim da jornada. Ou quase. Ainda faltava o trajeto de ônibus, que preferimos fazer de Uber. Como tudo começou! Já estou programando a próxima revisão do carro! Foto de abertura: o “Asa de Papel” em dia de evento musical (divulgação Asa de Papel)

Uma sexta quase perfeita

Gosto de inventar moda. Foi assim que descobri que nos domingos várias ruas de Belo Horizonte são fechadas ao trânsito de veículos e se tornam ruas de pedestre. Foi assim que descobri novos locais para fazer minhas caminhadas no Santo Agostinho (próximo à Casa da Filarmônica), no Funcionários (avenida Bernardo Monteiro) e em outros locais. A minha invenção de moda mais recente foi no dia do jogo Brasil e Bélgica pela Copa do Mundo. Naquela sexta-feira bolei um novo trajeto para voltar do trabalho pra casa a pé e vi muita coisa pelo caminho. Vi mesas lotadas e torcedores superanimados na esquina de Pernambuco com Fernandes Tourinho. Vi a agitação que embalava a moçada na Praça Savassi e a descontração que reinava nos bares da rua Paraíba, principalmente nas esquinas de Cláudio Manoel e Gonçalves Dias. Atravessei o congestionamento da Praça Tiradentes observando o nervosismo e a impaciência dos motoristas e vi que nessas horas o carro não serve pra nada, é melhor andar a pé. Cheguei à Carandaí e dei de cara com a igrejinha do Sagrado Coração totalmente restaurada. Lembrei-me das minhas leituras de Proust e viajei até Combray, a cidadezinha onde o escritor passava suas férias na infância. Era como se eu estivesse diante da torre do campanário da Igreja de Saint-Jacques, que tanto marcou a vida do menino Marcel. Igreja do Sagrado Coração de Jesus na avenida Carandaí (foto: José Walker) A viagem foi tão interessante que quase me esqueci do jogo. Mas acordei a tempo e desci Ezequiel Dias a toda velocidade. Pensei em cortar caminho pelo Parque Municipal, mas os portões estavam fechados e o jeito foi seguir em frente. Virei à esquerda na Andradas e continuei caminhando rente ao Parque. Passei por baixo do viaduto Santa Tereza e me deparei, na esquina de Carijós, com uma bela fachada de desenho futurista. Não resisti à tentação. Subi a alça lateral de Assis Chateaubriand, fiz um giro de 180 graus e lá de cima do viaduto tirei algumas fotos do prédio. Prédio recém-construído na esquina da avenida Andradas com rua Carijós (foto: José Walker) Depois das fotos, voltei à Andradas. Atravessei a avenida. Em frente ao Edifício Central tive que andar em zigue-zague, pois havia mesas e cadeiras espalhadas por todo lado. Os botecos, que proliferam por lá, já estavam no clima do jogo, com suas TV’s ligadíssimas na Rússia. Tinha até “Bar, Restaurante e Lanchonete Moscou”, acreditem! Na Praça da Estação era um verdadeiro deus nos acuda o corre-corre do povo para pegar o metrô (faltavam 30 minutos para o início do jogo). Resolvi apertar o passo também. Ainda fiz uma parada em frente ao Centro de Referência da Juventude, pois o que vi por lá me intrigou. Porque não terminaram a demolição do muro antigo e construíram um muro novo? Se o problema é a segurança (o prédio ficou muito vulnerável), por que não instalaram essas cortinas de vidro que têm sido tão utilizadas em situações semelhantes?   Muro do Centro de Referência da Juventude parcialmente demolido (foto: José Walker) Mas naquele momento eu só pensava no jogo. Deixei, portanto, o muro do Centro de Referência pra lá, subi o viaduto da Floresta e fui direto pra casa. O final da história todo mundo já sabe: o Brasil perdeu! Eu sai ganhando, como vocês viram! Imagem de abertura: Praça Savassi no dia do jogo Brasil e Bélgica (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

O outro lado da Sapucaí

Um sábado desses fui caminhar na Sapucaí. Normalmente sigo junto à balaustrada observando a linha de trem, a Praça da Estação, o (silencioso) movimento dos carros lá embaixo, mas naquele dia a minha atenção se voltou para o outro lado da rua, que havia reservado algumas surpresas para mim. A primeira surpresa veio logo no início da caminhada. Novinho em folha, lá estava o sobrado do 127 que há pouco tempo atrás era só abandono e sujeira. Eu sabia que o sobrado havia sido restaurado, mas ainda não tinha visto o resultado. Sobrado à rua Sapucaí após a restauração (foto: José Walker) Gostei e aprovei! O sobrado remonta aos primórdios da capital e merecia mesmo uma bela restauração. No local funciona hoje o Instituto Cultural Flávio Gutierrez, capitaneado por Ângela Gutierrez do Museu de Artes e Ofícios (BH) e do Museu do Oratório (Ouro Preto). Está em boas mãos. A segunda surpresa veio quando eu passava em frente ao prédio da Rede Ferroviária Federal que fica na esquina da rua Tapuias, um digno representante do estilo eclético que predominou na Belo Horizonte da década de 20. Só que desta vez a surpresa foi negativa. Por mais que me esforçasse, eu não conseguia enxergar outra coisa senão o abominável prédio que a própria Rede Ferroviária construiu a posteriori anexo ao prédio principal, como se vê ao fundo na foto abaixo. Conjunto de prédios da Rede Ferroviária Federal na rua Sapucaí (foto: Jomar Bragança) O que me deixou mais indignado é que além de destoar completamente do restante do conjunto, o anexo está colado em uma das alas do prédio principal e há indícios de que parte deste foi demolida na época da construção. Não duvido nada! Mas não adianta chorar sobre o leite derramado. Agora, resta saber o que farão com aquela maravilha, quando forem instalar no local o Museu Ferroviário. A terceira e última surpresa do dia foi o casarão do 303. Não é uma construção tão interessante, mas naquele dia estava interessante, pois enquanto um artista trabalhava na pintura do muro lateral, várias outras pessoas conversavam animadamente no jardim. Fui até lá para conferir e descobri que trabalhavam no painel de uma grande cervejaria e que o casarão é a sede de uma escola superinteressante, a Perestroika – Escola Livre de Atividades Criativas. Mais um ponto para a Sapucaí. Foi uma caminhada proveitosa, como vocês viram. O problema é que cheguei em casa e o anexo da Rede Ferroviária não me saia da cabeça. Cheguei a pensar na reestilização da fachada do prédio, como forma de adequá-la ao estilo eclético do restante do conjunto, mas a ideia não me convenceu de todo. O problema continuava sem solução! Até que decidi levar a ideia da reestilização à artista plástica aqui de casa, minha esposa. Ela viu as fotos, refletiu um pouco e deu o seu veredicto: “não vai dar certo, seria mais interessante modernizar a fachada, criando um contraste com o restante da construção”. Perfeito! Agora é torcer para que os responsáveis pela implantação do Museu Ferroviário sejam tão lúcidos quanto a artista plástica que consultei. Enquanto isso, vamos curtindo a Sapucaí, que já tinha bons restaurantes e bares alternativos (Salumeria, Pecatore, Dorsé, Benfeitoria) e agora tem instituto cultural e escola de arte. Foto de abertura: sobrado à rua Sapucaí visto do lado de dentro (arquivo Jornal da Floresta)

Avenida Bernardo Monteiro, sua nova pista de caminhada em BH

Confesso que me aproveitei da situação caótica que se instalou no país com a greve dos caminhoneiros e sai no lucro. No início da semana, assim que vislumbrei a situação, comecei a estocar combustível e nesta sexta-feira, aproveitando a escala reduzida dos ônibus, acabei fazendo um bom negócio. Mas não pensem mal de mim! O estoque de combustível a que me refiro é a energia pessoal que economizei durante a semana, já prevendo que mais dia, menos dia os ônibus iam me deixar na mão e eu teria que fazer todo o percurso trabalho-casa a pé. E o bom negócio que fiz não tem nada a ver com venda de combustível, como pode parecer à primeira vista. É que nesta sexta-feira, como eu previa, tive que voltar a pé para casa e acabei descobrindo um novo local para fazer caminhadas nos fins de semana. Trata-se da avenida Bernardo Monteiro, lado esquerdo de quem vai de Afonso Pena a Alfredo Balena, uma via de trânsito local, ideal para quem quer caminhar e curtir a paisagem. E porque ontem foi sábado, voltei à avenida para testar a nova pista de caminhada. É verdade que a Bernardo Monteiro não apresenta mais aquele charme de antes, pois alguns dos fícus que eram sua marca registrada tiveram que ser sacrificados em razão de uma praga que grassou por lá, mas o observador atento irá notar algo mais do que simples escombros. Evidentemente, nada se compara ao verde das árvores. O ideal teria sido preservá-las, mas já que não foi possível, vamos enxergar a situação com outros olhos. Observem a foto abaixo, que tirei enquanto caminhava por lá. Quem sabe esses troncos retorcidos não escondem a alma das árvores, que se oferecem aos nossos olhos em forma de escultura, para que mantenhamos viva a sua memória? Foi o que eu disse à senhora G., que me abordou enquanto eu tirava esta e outras fotos. Ela, que no princípio pediu que eu as publicasse “para mostrar o absurdo que fizeram com as árvores”, acabou confessando: “é verdade, eu não tinha enxergado as coisas por esse lado”. Simpática a minha interlocutora. Despediu-se de mim sentindo-se mais aliviada, espero. Eu também fiquei mais tranquilo. Afinal, aquela história da alma das árvores me ocorreu no exato momento em que eu tirava as fotos e me trouxe certo conforto também. Uma nova maneira de enxergar a situação. E assim segui o meu caminho até a esquina de Afonso Pena, onde me deparei com uma novidade! Um contador eletrônico de magrelas. Isso mesmo: cada bicicleta é contabilizada e o aparelho mostra, instantaneamente, o total de bicicletas que passou até aquele momento. Ontem, por volta das 11 horas, quando passei por lá, já haviam sido contabilizadas 168 bicicletas, o que, segundo o ciclista R. Vilaça que encontrei no local, “é um número significativo se considerarmos a falácia de que BH é uma cidade inviável para este tipo de transporte”. Aprovei a nova pista de caminhada. Sua nova pista de caminhada! Mais fotos da Bernardo Monteiro? Aí estão:

O Instituto de Educação e outros ícones da avenida Afonso Pena

Publiquei recentemente um artigo em que retrato a avenida Afonso Pena da minha infância, citando alguns ícones da época como a Feira de Amostras, a Livraria Rex, o Banco da Lavoura e a loja de departamentos Guanabara, entre outros (veja aqui). O artigo foi bem recebido pelos leitores, que se manifestaram através de comentários como “viagem no tempo”, “saudades daquela época”, etc., o que me deixou bastante lisonjeado. Mas houve também puxões de orelha! Uma leitora, que prefere não revelar nome e idade, lamenta que eu não tenha citado a Casa Sloper, que “funcionava na avenida Afonso Pena, entre ruas Espírito Santo e Tupis”. Ela afirma que tem quase a minha idade e apresenta um argumento irrefutável: diz que frequentou aquele estabelecimento várias vezes quando criança, ainda na avenida, antes de sua transferência para a rua Rio de Janeiro. Uma outra leitora que nasceu em Piumhí, mas mudou-se para BH logo após o fim da 2ª Guerra, não se conforma com a omissão do Automóvel Clube, do Instituto de Educação, onde fez o “curso de magistério” e do Conservatório Mineiro de Música, hoje Conservatório de Música da UFMG. Conservatório Mineiro de Música (Fonte: Postal. s.t., [Belo Horizonte], [c. 1940]) Há ainda quem tenha defendido a causa do Palácio da Justiça, “belíssimo prédio em estilo eclético do início do século passado”, e até mesmo a dos prédios da Prefeitura e dos Correios, “que não são tão imponentes, mas representam bem aquela época”. Polêmicas à parte, eu gostaria de esclarecer que o objetivo foi recordar as minhas caminhadas pela avenida, que na época retratada no artigo se limitavam ao trecho compreendido entre a Feira de Amostras e a entrada do Parque Municipal, nas imediações da rua da Bahia. Portanto, a não ser a Sloper, de que realmente eu não me lembrei, todos os demais estabelecimentos estavam fora do raio de ação da criança que eu era e por isso não foram citados. Mas quem quiser matar a saudade é só conferir o roteiro Da Praça Sete à Praça da Liberdade…, onde faço uma breve descrição desses estabelecimentos e o artigo Prédios históricos de BH…, onde escrevo mais algumas linhas sobre o Instituto de Educação. E não se acanhem. Elogios são bem-vindos, mas um puxão de orelha de vez em quando não faz mal a ninguém! Foto de Abertura: Instituto de Educação de MG (Fonte: APCBH – Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte)

A hora e a vez do Augusto Pedestre

Aconteceu há poucos dias, quando eu voltava do trabalho a pé. Era um cruzamento sem semáforo. O bólido surgiu num átimo. Vinha da transversal, sem dar seta e invadiu a faixa de pedestres. Foi por um triz: se eu não tivesse pulado fora, não estaria aqui para contar a história. O motorista ou a motorista – nunca se sabe, com essas películas escuras que andam aplicando nos vidros dos carros – só faltou dizer sai da frente, quem manda aqui sou eu. Confesso que, contrariando o meu lado pacato cidadão, tive vontade de esfregar o nariz da criatura no asfalto e mostrar-lhe com quantos paus se faz uma canoa. Ou melhor, com quantas listras se faz uma faixa de pedestres. Entretanto, o máximo que consegui foi xingar meia dúzia de palavrões e rogar outra meia dúzia de pragas, que nem sei se chegaram ao ouvido do(a) destinatário(a). Adiantou? O(a) infeliz vai mudar? Da próxima vez que vir uma faixa de pedestres vai parar? Não, não vai parar. Não vai mudar. Vai continuar ignorando o pedestre, a faixa, a legislação. Como todo ignorante que se preza. Mas será que eu também não apronto das minhas quando estou ao volante? É verdade que nunca joguei o carro contra o pedestre, seria o cúmulo da estupidez. Mas quantas vezes, apressado ou desatento, o deixei esperando e cruzei, sem pestanejar, a sua faixa? Portanto, a conclusão a que cheguei é que a minha conduta ao volante também não é das mais exemplares. Por esse motivo é que agora, nos fins de semana (só dirijo nos fins de semana), passei a ter mais cuidado com o pedestre. Não buzino à toa, só cruzo a sua faixa depois de me certificar que o caminho está livre, e se o vejo aguardando na calçada vou logo indicando com a mão pode passar. Ainda não sou um exemplo de motorista, mas estou melhorando. Em troca, tenho recebido sorrisos de agradecimento e até… aplausos. Acreditem! E se às vezes me pego cantando aquela música do Paul, não me surpreendo. Afinal, se Ebony and Ivory vivem juntos em perfeita harmonia, lado a lado, no piano (e nas faixas de pedestres), porque não o fazemos nós, motoristas e pedestres? Imagem de abertura: Marco Martins

Da Feira de Amostras ao Parque Municipal sob os fícus da Afonso Pena

Nasci em Belo Horizonte no ano da graça de 1954. Aqui plantei minhas raízes. Salvo os breves períodos em que me ausentei a trabalho ou por motivo de férias, posso dizer que nunca sai de BH. Ou melhor, que BH nunca saiu de mim. Até os 10 anos morei no centro da cidade. Afonso Pena com Tupinambás, Edifício Teodoro. Naquela época os fícus cobriam de verde a avenida e os bondes circulavam por toda a cidade. Hoje tudo mudou! Onde se encontra a Rodoviária era a Feira Permanente de Amostras. No mesmo prédio funcionava a Rádio Inconfidência, a primeira emissora de rádio de Minas Gerais. Vista da Feira Permanente de Amostras com destaque para a torre do relógio (Fonte: curraldelreiblogspot / Acervo Augusto G. Coutinho) Ao lado da Feira de Amostras, no imponente prédio que abriga hoje uma unidade da Polícia Militar, era a Secretaria da Agricultura. Dizem que há um cofre forte lá dentro. É provável. O prédio era destinado à Alfândega Federal, que jamais funcionou no local. O Edifício Mesbla, na esquina de Curitiba, foi construído no início da década de 60. Pena que a loja de departamentos Mesbla, que ocupava os cinco primeiros andares do prédio, não exista mais. Também não existem mais a Casas Pernambucanas, que funcionava em frente à Mesbla, a Sapataria Atômica, o Cine Royal… A Sapataria Atômica ficava no primeiro quarteirão da avenida, lado direito. Oferecia um atrativo a mais para a garotada que, como eu, não tinha onde brincar nos primeiros prédios residenciais de Belo Horizonte: um escorregador! Porque Atômica, não sei. Talvez o nome tenha sido escolhido em função da 2ª Guerra, que naquela época ainda estava viva na lembrança de muita gente. O Cine Royal era do outro lado da avenida, onde está a Igreja Universal. Não cheguei a frequentá-lo. Eu era muito criança e meus pais não tinham o hábito de ir ao cinema. Em compensação, tenho boas recordações do Café Palhares, que continua firme até hoje na virada de Tupinambás, térreo do Edifício Teodoro, onde morei até os 10 anos de idade. Fachada do Café Palhares (Foto: divulgação Veja BH) Numa época em que pouca gente tinha acesso à televisão, o Palhares colocou um aparelho bem na entrada, de frente para a rua. Foi um sucesso! Aos domingos, os telespectadores fechavam Tupinambás para assistir aos jogos de futebol. Me lembro especialmente do jogo contra a Tchecoslováquia, em 1962, quando o Brasil foi bicampeão mundial. Do alto do Edifício Teodoro, eu e meus irmãos despejamos na avenida bacias de papel picado que havíamos enchido até a borda durante o jogo. Foi uma farra! Mas vamos continuar a nossa caminhada pela Afonso Pena. Do lado direito, na esquina de São Paulo, era a Nacional Magazine, loja de artigos masculinos instalada no térreo do Edifício Mariana. Do outro lado era a Casa Falci. Ambas se mudaram da avenida ou fecharam as portas (se não me engano a Casa Falci ainda funciona lá pelos lados da Olegário Maciel). Felizmente o belo casarão dos Falci ainda está de pé. Edifício Antônio Falci. O Hotel Financial também já existia naquela época. Era um dos mais luxuosos de Belo Horizonte. Dizem que o proprietário, o excêntrico Antônio Luciano, morava no hotel com sua onça de estimação. Será? A Praça 7 era o centro do universo belo-horizontino. Comércio, finanças, entretenimento e cultura: Cine Theatro Brasil, Café Pérola, Café Nice, Banco da Lavoura, Livraria Rex, Banco Hipotecário e Agrícola, Campeão da Avenida, Praça 7 Calçados. Edifício do Banco da Lavoura e casarão onde funcionou a Livraria Rex, no final dos anos 50 (Fonte: curraldelreiblogspot / Acervo IBGE) O Café Pérola, ponto de encontro dos aposentados, é hoje McDonald’s. O Banco da Lavoura (o do cofrinho, lembram-se?) internacionalizou-se. A Livraria Rex virou cinzas depois de um incêndio em 1977 e os demais estabelecimentos fecharam as portas. Só restaram o Cine Theatro Brasil e o Café Nice. O Cine Theatro Brasil foi restaurado recentemente e agora é uma bela casa de espetáculos. O Café Nice mantém a tradição: é lá que os aposentados de hoje se reúnem. Um pouco adiante, continuando pelo lado esquerdo da avenida, tínhamos o Banco Moreira Salles, a Hamilton (artigos masculinos) e já na esquina de Espírito Santo, a Guanabara, loja que ocupava prédio inteiro e marcou época na cidade. Depois, fazendo um giro no sentido horário, vinham o Edifício Acaiaca, o Castelinho, a Igreja São José e o Hotel Normandy. O Acaiaca, naquela época o prédio mais alto da cidade, perdeu o Cine Acaiaca, que funcionava nos fundos do hall de entrada. Não sei se perdeu ou ainda mantém em seu subsolo um abrigo antiaéreo construído durante a 2ª Guerra. O Castelinho, a Igreja São José e o Hotel Normandy continuam firmes como testemunhas daquela época. A Igreja São José foi além: acabou de restaurar as fachadas originais, da década de 20. No quarteirão seguinte, duas outras testemunhas daquela época: o Edifício Guimarães e o Conjunto Sulacap, que perdeu todo o charme na década de 70, quando construíram um anexo de lojas bem na entrada do prédio, impedindo a visada do viaduto Santa Tereza a partir da avenida Afonso Pena. Finalmente havia o Parque Municipal, limite do meu universo infantil. O lugar mais afastado que eu podia frequentar. Com algum acompanhante, é claro! A rua da Bahia? Só vim a conhecer mais tarde. Mas aí é outra história. Fica para depois… Foto de abertura: avenida Afonso Pena na década de 50 (Fonte: Arquivo Público Municipal)

Inventando moda no Barro Preto

Como vocês já perceberam, nos fins de semana meu negócio é explorar a cidade em busca de novos locais para fazer as minhas caminhadas. Ontem pela manhã, por acaso, descobri um lugar incrível! Não é praça, não é parque. É pista de rua inventada na hora. O fato é que eu e minha esposa havíamos saído de casa com o intuito de caminhar na Praça da Assembleia, e no meio do caminho resolvemos passar no Mater Dei para buscar os resultados de exames que eu havia feito naquele hospital alguns dias atrás. Foi então que a coisa aconteceu! Ao passar pela rua Tenente Brito Melo em frente ao belíssimo prédio da Sala Minas Gerais, Casa da Filarmônica, percebemos que o local é plano, arborizado e com pouco trânsito de veículos. Rua Tenente Brito Melo em frente à Casa da Filarmônica (foto: José Walker) Aí não deu outra. Estacionamos o carro e resolvemos caminhar ali mesmo. E para não ficar só naquele trecho de rua, resolvemos explorar o entorno. Descobrimos que não só a Tenente Brito Melo tem essas características, mas as demais ruas do quarteirão também (Gonçalves Dias, Juiz de Fora e Alvarenga Peixoto). Empolgado com a descoberta, comentei com minha esposa que seria bom se transformassem aquele quarteirão em pista de caminhada oficial, com direito a faixa pintada no chão, marcos indicadores de distância, melhoria das calçadas, etc. Nem cheguei a saber a opinião dela sobre o assunto. Como sempre caminho a 6 quilômetros por hora e ela a 3 ou 4, aos poucos fui me distanciando. Mas a ideia não me saia da cabeça. De repente, ao virar em uma das esquinas do quarteirão, me deparei com outro caminhante seguindo um pouco à frente, no mesmo sentido e no mesmo ritmo que eu. Foi uma surpresa para mim. Afinal, eu tinha acabado de inventar aquela pista e achei que eu e minha esposa éramos as únicas pessoas a caminhar por aquelas bandas. Curioso, acelerei o passo e ao ficar lado a lado com o outro, perguntei se ele sempre caminha naquele trecho, ou se o fazia pela primeira vez, como eu. Ele disse que mora no Gutierrez, mas gosta de caminhar ali, pois é um local plano e tranquilo. Exatamente o que eu havia constatado minutos antes. Aí a conversa fluiu naturalmente. Falamos sobre as demais pistas de caminhada de BH, sobre exercícios físicos em geral, sobre os benefícios da caminhada (e da corrida), e quando passamos pelo prédio da Filarmônica, sobre arte e cultura em geral. E a comparação foi inevitável. Brasil e Europa. Eu disse que havia acabado de tirar algumas fotos do prédio da Filarmônica e que aquele conjunto arquitetônico – o novo e o antigo preservado (o casarão da rua Uberaba) – não fica nada a dever a seus pares europeus. Casa da Filarmônica vista da rua Uberaba (foto: José Walker)  Falamos também de venezas, florenças, vienas, andaluzias e outras maravilhas mundo afora. A conversa foi tão boa que nem vi o tempo passar. Quando dei por mim, já estava na hora de ir embora… E sabem a que conclusão cheguei? Caminhar também é cultura!