Sabe aquele domingo de inverno em que você acorda meio grogue, abre uma nesga de cortina e dá de cara com um baita dia ensolarado?
Você tem duas opções, não é mesmo? Ou volta pra cama e curte o friozinho debaixo do edredom, ou desperta de vez e vai pra rua. Eu sou mais a segunda. E tenho tirado bom proveito disso.
Um exemplo? Aconteceu recentemente, no domingo em que os tapumes da Praça da Liberdade estavam sendo grafitados por um grupo de artistas. Naquele dia fiz uma caminhada antológica: subi Bahia e desci Floresta, como fazia o compositor Rômulo Paes nos bons tempos de outrora.
A subida foi rápida. Saí de casa no bairro Floresta e em meia hora cheguei à Praça da Liberdade. Eu estava curioso para ver o trabalho dos 54 artistas selecionados pela Prefeitura para preencher o branco dos tapumes com suas cores.
O clima era de descontração e nem podia ser diferente. Olha só os nomes de alguns artistas que participaram do evento: Bolinho, DaLata, Dninja Bichocoisa, Figo, IronDois, Maizena, Na Tora Crew, SurtoReal, Testa.
Fiquei zanzando por lá, conversando com um e outro, especulando. Tempo voou. Quando atinei pela coisa, já estava na hora de voltar.
Desci ao sabor do acaso, curtindo o que vi pelo caminho:
- Na Aimorés entre Bahia e João Pinheiro, o belo casarão de 1914 que pertenceu ao advogado e escritor Afonso Pena Júnior, filho do ex-presidente Afonso Pena;
- Na João Pinheiro entre Timbiras e Guajajaras, outro casarão ou o que restou de outro casarão mais antigo ainda, de 1897, hoje integrado ao prédio da Faculdade Promove;
- Na Goiás entre Alvares Cabral e Bahia, mais um casarão muito bem conservado, de 1916 (uma surpresa para mim, que há muito tempo não passava por lá);
- E ainda na Goiás, quase esquina de Bahia, os dois amigos Pedro e Carlos, Nava e Drummond, eternizados através das esculturas do artista plástico Léo Santana no território que lá pelos idos de 1920 foi o refúgio, o lugar de estar do médico-memorialista e do farmacêutico-poeta.
Como vocês viram, fiz um programão. Subi Bahia, visitei uma galeria de arte a céu aberto e desci Floresta passeando pela história de Belo Horizonte.
Bom demais!
Foto de abertura: rua da Bahia na década de 20 (Arquivo EM #oldtimes #BHantiga)
Mais fotos da caminhada? Aí estão:
Casarão que pertenceu a Afonso Pena Júnior
Respostas de 2
Conhecer essa nossa Belo Horizonte é sempre surpreendente, precisamos resgatar o olhar dos nossos poetas que já escreviam isso nos seus versos.
Todos os caminho iam à Rua da Bahia. Da Rua da
Bahia partiam vias para os fundos do fim do mundo, para os tramontes dos
acabaminas… A simples reta urbana… Mas seria uma reta? Ou antes, a curva? Era a
reta, a reta sem tempo, a reta continente dos segredos dos infinitos paralelos.
E era a curva. A imarcescível curva, épura dos passos projetados, imanência das
ciclóides, circulo infinito… Nós sabíamos, o Carlos tinha dito. A Rua da Bahia
era rua sem princípio nem fim. Descíamos. Cada um de nós era um dos moços do
poema. Subíamos. ‘Um moço subia a Rua da Bahia (Pedro Nava).
É isso mesmo Glória, perfeito.
Já que você citou Pedro Nava, aqui vai mais um trecho memorável do grande escritor:
“Esses passeios por conta própria …, os dias, as noites, o marulho das Arrudas, o barulho dos bondes subindo Bahia – iam me impregnando de Belo Horizonte como se a cidade fosse um perfume. Me embebendo como líquido terra porosa. Me penetrando como um éter. Me compenetrando como se de suas ruas nascesse uma seita. Para sempre. Jamais poderei esquecer-me de ti Belo Horizonte, de ti nos teus anos vinte. E, se isso acontecer, que, como não salmo, minha mão direita se resseque e que a língua se me pregue no céu da boca. Belo, belo – Belorizonte. Minas – minha confissão “.
(Pedro Nava em “Chão de Ferro”, pág. 321).