Uma coisa de que não abro mão é da minha dormidinha depois do almoço. E olha que não estou falando de cochilo, estou falando de dormidinha mesmo. Com direito a tirar os sapatos, esticar o corpo e tudo o mais a que faz jus um ser vivente.

É tiro e queda. Me deito, pego o livro da vez, abro na página marcada e começo a minha aventura. Não chego a ler duas páginas e já estou dormindo.

Duas páginas? Que nada, na maioria das vezes bastam dois parágrafos para eu cair nos braços de Morfeu.

homem dormindo sofa

Na verdade, o que cai primeiro é o livro. E a sensação de bem-estar é tão grande que chego a sonhar…

Outro dia, após uma dessas dormidinhas, acordei com alguém sussurrando ao meus ouvidos: você está tão acostumado a caminhar que já nem sabe se caminha mesmo ou se é o caminho que te leva…

Se não me falha a memória (sonhos deixam memória?), eu estava caminhando sob um céu azul, com muita luz, quiçá no meio das nuvens.

caminhando-nas-nuvens

Portanto, não duvido nada que aquele alguém estivesse velando o meu sono e tenha resolvido me acordar com tal pensamento.

É claro que na vida real não é bem assim. Mas o fato é que durante minhas caminhadas parece mesmo que estou sendo levado. É uma sensação indescritível, algo que vem de dentro, me torna mais leve e faz com que eu acelere instantaneamente o passo.

Às vezes, porém, acontecem situações inusitadas. Outro dia lá ia eu a seis quilômetros por hora, feliz da vida, quando um sujeito me parou e perguntou se é assim que caminho todos os dias. Respondi sim, porque e ao virar as costas ouvi o sujeito dizer baixinho parece que vai voar.

Na hora eu quis voltar e enfrentar o engraçadinho, mas acabei deixando pra lá. O sujeito já devia estar me observando há algum tempo e, incomodado com tanta extravagância, soltou a piadinha. Nada mais natural.

Além do mais, ele não estava totalmente destituído de razão. Eu voltava do trabalho à pé e como nessas ocasiões agito rapidamente os braços, acompanhando o movimento do corpo, devo parecer mesmo um pássaro prestes a alçar voo, ou algo parecido.

homem com asas voando desenho de HELIANA GRUDZIEN para capa do livro o homem voa voa

Ilustração de Heliana Grudzien para capa do livro Homem Voa Voa - Editora Cortez

Aliás, eu também observo as pessoas que cruzam comigo todos os dias e muitas dessas pessoas devem me observar também. Só que fazem de conta que nunca me viram, e como eu faço o mesmo, jamais nos cumprimentamos.

Devo confessar que não é uma atitude das mais elegantes, mas no meu caso até que é bom. Atrás de um cumprimento vem sempre uma observação, um comentário, uma história e aí a minha caminhada já não seria a mesma. Eu perderia o ritmo, e até pegar o ritmo novamente…

Mas voltando ao sujeito que disse parece que vai voar, faz mais de ano que o fato aconteceu e eu já nem me lembrava mais do caso. Até ontem.

O que aconteceu? Bem, lá ia eu voltando do trabalho na mesma toada de sempre, quando alguém me ultrapassou e antes mesmo que eu pudesse me refazer do susto, se virou e acenou pra mim com a cara mais lavada deste mundo.

Adivinhem quem era? O tal sujeito, feliz da vida.

Curioso, né? Outro dia mesmo esse sujeito zombava de mim e hoje segue o meu exemplo.

Assim caminha a humanidade…

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