Verão. Segunda-feira, sete e meia da noite. Sob um calor de 34 graus acabo de fazer minha caminhada na Praça Comendador Negrão de Lima, aqui no bairro Floresta.

Apesar do nome pomposo, a Negrão de Lima é uma pracinha de apenas 30 por 60 metros, onde dou voltas e mais voltas com a sensação de que praticamente não saí do lugar, tão grande é o número de vezes que as mesmas imagens se repetem diante dos meus olhos.

Seu grande mérito é ser uma ilha de relativo sossego no meio do trânsito caótico que se instaurou no quadrilátero formado pelas ruas Itajubá, Salinas, Jacuí e Pouso Alegre.

Estou impressionado com o que vi. Num dado momento, contei 42 adultos de diversas faixas etárias, 7 crianças, 5 cães e dois bebês com as respectivas mamães e carrinhos dando voltas na pracinha. Sem considerar as pessoas que só estavam de passagem por lá na hora da contagem.

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Um verdadeiro pandemônio. Pessoas correndo ou caminhando em ambos os sentidos, cada um no seu ritmo, entre cães e crianças afoitos, todos disputando a unhas e dentes o seu espaço.

Eu mesmo fui obrigado várias vezes a sair da calçada e dar alguns passos no asfalto para me desviar de pessoas que vinham em sentido contrário, correndo sério risco de ser atropelado.

Só há uma explicação para tal afluxo de pessoas a um local tão confinado: a falta de áreas de lazer no bairro Floresta. Se diante de tantos inconvenientes os moradores continuam afluindo à Negrão de Lima em número cada vez maior, o motivo não pode ser outro senão a absoluta falta de opção.

Foi pensando nisso que imaginei a requalificação urbana da Sapucaí, transformando-a em rua de pedestres entre o viaduto Santa Tereza e a avenida Francisco Sales.

A ideia não é nova. Já existem várias ruas de pedestres em Belo Horizonte e outras grandes cidades do mundo. No caso da Sapucaí poderia ser implantada uma pista exclusiva para ciclistas, além de sanitários, bebedouros e aparelhos para a prática de exercícios físicos, as chamadas academias ao ar livre.

A Sapucaí é uma rua interessante. Segregada do centro da cidade por estar do outro lado da linha de trem, acabou se tornando uma via marginal em todos os sentidos: encontra-se isolada das manifestações culturais e artísticas que se desenvolvem do lado de lá; funciona como abrigo de marginalizados que ali se escondem dos aparelhos de repressão; e passa despercebida daqueles que frequentam a Praça da Estação e a Serraria Souza Pinto, seus nobres vizinhos.

Até as intervenções urbanas que ocorrem por lá passam despercebidas da população, o que as torna suscetíveis de permanência no tempo sem que ninguém dê pela coisa. É o caso da obra de restauração do casarão da foto, que vem se arrastando há anos.

casarao cuja restauração nunca termina escolhida

Essa marginalidade, que para muitos seria um empecilho, para outros vem se transformando em oportunidade de divulgar suas idéias, seu espírito inovador, seu lado criativo.

A Salumeria Centrale e o restaurante Pecatore são dois bons exemplos. Localizados um ao lado do outro, bem no inicio da Sapucaí, a Salumeria é uma casa “dedicada ao preparo dos produtos de carne de porco, presunto, salame, enfim, frios de forma geral”, e o Pecatore serve pratos finos que têm como ingrediente principal o peixe que o próprio cliente escolhe em uma banca, como nos mercados.

salumeria a noite

Mais recentemente um novo empreendimento veio se juntar a esses dois pioneiros, trazendo em seu bojo a mesma ideia de requalificação da Sapucaí. Trata-se do Benfeitoria, um bar que também funciona como espaço cultural alternativo e que já chegou mostrando a que veio: conseguiu trazer para a rua um tipo de instalação que é o novo xodó dos belorizontinos, o Parklet, espécie de mini praça com “banquinhos, plantas, lixeiras e até estacionamento para bike”.

parklet

Não é à toa que esse pessoal redescobriu a Sapucaí. Quem passa por lá vislumbra ângulos belíssimos e pouco explorados pelas lentes fotográficas: a silhueta da cidade recortada de prédios, os arcos do viaduto Santa Tereza emergindo do verde do Parque Municipal, o vai-e-vem das composições do metrô e dos usuários da Estação Central e, em primeiro plano, a charmosa amurada de balaústres com seus postes de ferro, preservados como eram no início do século passado.

panoramica 1

Lá se encontram também atrativos como o prédio da antiga Rede Ferroviária Federal, na esquina de Tapuias, que vem sendo restaurado para abrigar o futuro Centro de Memória Ferroviária,

futuro centro da memoria ferroviaria

e algumas edificações remanescentes da época da construção da capital, sem falar dos prédios que complementam o conjunto arquitetônico da Praça da Estação, vistos dos fundos e de um plano superior.

conjunto arq praça estaçao visto fundos

E se observarmos mais atentamente veremos até mesmo um boulevard logo abaixo do nível da rua, hoje uma zona morta e abandonada que poderia ser apropriada pela população, desde que devidamente urbanizada e reintegrada à nova Sapucaí.

boulevard ocupado

Mas como transformar a Sapucaí em rua de pedestres sem prejudicar o trânsito dos veículos que a utilizam como acesso ao bairro Floresta? E o acesso às garagens dos prédios que existem no trecho a ser fechado, como fica?

Quanto ao acesso ao bairro, a ideia é fazer com que os veículos subam a Assis Chateaubriand e convertam à esquerda na Francisco Sales, retomando novamente a Sapucaí na altura da Faculdade Estácio de Sá.

E quanto ao acesso às garagens dos prédios, nada impede que seja permitido com exclusividade, como já acontece nos quarteirões fechados da Savassi e da Praça 7.

Gostaram da ideia?

Então divulguem, opinem, participem.

Quem sabe assim a gente consegue sensibilizar a administração pública e o Floresta ganhe a sua tão sonhada área de lazer?

2 respostas

  1. Muito interessante a sua análise! Nao tinha pensado nesse aproveitamento de espaço na rua Sapucaí. Realmente o bairro Floresta é carente de espaços arborizados para a prática da caminhada. Uma solução simples e eficiente.
    Porém, acho que nao teria necessidade de fechar permanentemente a rua e sim em alguns horários ou dias como no domingo.

    Parabens pelo blog, está ótimo!

    Abraco,

    Ricardo

    1. Obrigado pelo comentário Ricardo.
      A proposta de fechar a rua permanentemente surgiu da necessidade de oferecer à população, também em carater permanente, benfeitorias como a pista de bicicleta, a academia ao ar livre e até áreas de lazer.
      Mas já seria uma grande conquista se a rua fosse fechada aos domingos ou apenas em alguns horários, como você sugere.
      Ou quem sabe implantar as modificações no trânsito em carater experimental e depois, se der certo, fechar a rua em carater definitivo?

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