A fama das calçadas

Eu havia prometido a mim mesmo não voltar tão cedo ao problema das calçadas de Belo Horizonte – assunto recorrente aqui no caminhada.org – mas sou obrigado a quebrar a minha promessa. É que resolvi fazer uma pesquisa na internet e descobri que as calçadas são muito mais famosas do que eu supunha e, como diria Shakespeare, há mais pessoas envolvidas com o assunto do que pode imaginar a nossa vã filosofia. Descobri também que buracos, desníveis, degraus e rampas, assim como o uso de materiais inadequados e a falta de padronização das calçadas não são mazelas exclusivas de BH. São comuns na maioria das cidades brasileiras! Como ressalta Anthony Ling do caosplanejado.com, no Brasil a calçada é propriedade pública de responsabilidade do privado, ao passo que em outros países “a via pública normalmente é gerida de forma única pelo poder público, com a calçada sendo apenas um elemento da via principal de circulação entre os espaços privados” (leia a matéria completa aqui). Segundo Ling, responsabilizar o privado pela construção e manutenção da calçada nos leva a “uma noção equivocada de o que significa espaço público, gerando ambiguidade da propriedade”. Concordo plenamente. A calçada só difere da rua quanto ao uso. Enquanto a rua é um espaço público destinado ao veículo, a calçada é um espaço público destinado ao pedestre. Parece óbvio, mas em nosso país, infelizmente, nem sempre prevalece o óbvio… Na minha opinião, é preciso acabar com esta gestão ambígua, onde o poder público se exime de sua responsabilidade e o proprietário do imóvel se julga no direito de fazer o que bem entende com sua calçada. Sei que é difícil quebrar paradigmas, mas bem que podíamos apelar para o jeitinho brasileiro e adotar uma gestão compartilhada, onde o poder público (re)constrói a calçada e o proprietário do imóvel toma conta. Sei também que no caso de Belo Horizonte a maior parte das calçadas teria que ser reconstruída, mas em compensação teríamos melhores condições de circulação para o pedestre e um visual bem mais agradável. Gostaram da ideia? Então, está lançado o desafio: vamos mudar a cara da nossa cidade! E para aqueles que ainda não se convenceram de essa mudança pode começar pelas calçadas, aí vão alguns exemplos. Lisboa, Portugal (Praça dos Restauradores) – Foto: embarquenaviagem.com/Casa Vogue Benidorm, Espanha – Foto: embarquenaviagem.com/Casa Vogue Míconos, Grécia (Vila de Chora) – Foto: embarquenaviagem.com / Casa Vogue Foto de abertura: Diliff/Wikimedia Commons
Estão pensando que somos tolos?

Porque será que em Belo Horizonte existem tantas obras paralisadas ou devagar quase parando com placas indicando apenas o prazo de execução? Estão pensando que somos tolos? É muito cômodo! Colocam o prazo de execução, normalmente em dias, só para dificultar a nossa “fiscalização”. Afinal, quem vai se lembrar que 720 dias, por exemplo, correspondem a dois anos? E como se não bastasse, omitem também a data de início. Assim fica difícil saber quando as obras vão ser concluídas, não é mesmo? Atrasos e paralisações acontecem. Mas não pensem que somos tolos, não tentem nos enganar, omitindo ou prestando informações incompletas. Um bom exemplo é a reforma da Escola Estadual Barão do Rio Branco na avenida Getúlio Vargas, na Savassi, que vem se arrastando há um bom tempo (ver atualização). Tudo bem que é uma obra de restauração e requer maiores cuidados, mas quem nos garante que já não deveria estar concluída? Vejam em detalhe a placa principal e tirem suas conclusões. Observem o prazo de execução: 900 dias. Porque não colocaram 2 anos e meio ao invés de 900 dias? E a data de início, onde é que está? Ahhh… tenham paciência! E olha que a reforma da Barão do Rio Branco é apenas uma entre várias outras obras na mesma situação. Quem não fica incomodado com a interminável reforma do prédio conhecido como Rainha da Sucata na Praça da Liberdade, para onde será transferido (quando?) o Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves? (ver atualização) Ou com a reforma do antigo prédio do IPSEMG, também na Praça da Liberdade, onde funcionará (quando?) a Escola de Design da UEMG? Observem a quantidade de placas. Agora, obra mesmo que é bom… E a construção do Espaço Multiuso no Parque Municipal, onde funcionava o antigo colégio IMACO (imagem de abertura deste artigo), que está paralisada e sem qualquer perspectiva de retomada? Queremos transparência! Ao iniciarem uma obra, coloquem placas com todas as informações necessárias e se houver algum contratempo, algum imprevisto, justifiquem a paralisação ou o atraso e retifiquem as informações. Quanto maior a paralização ou o atraso, maior o desconforto para o pedestre e a poluição visual. Afinal, ninguém gosta de caminhar em calçadas detonadas e bloqueadas por tapumes caindo aos pedaços. Queremos caminhar com segurança e prazer! A propósito, vocês se lembram de um artigo que publiquei há mais de um ano, chamando a atenção para duas outras obras paralisadas que encontro diariamente no meu caminho? Pois bem, não são obras públicas como as que citei anteriormente, mas obras particulares e se encontram na mesma situação até hoje: tapumes atravancando a passagem do pedestre e apodrecendo a olhos vistos, sem falar nas calçadas, que estão intransitáveis. Até quando teremos que conviver com esta situação? Estão pensando que somos tolos e, além disso, cegos?
Rua de pedestres na Praça Comendador Negrão

O nosso recém-criado Banco de ideias já começou a dar os primeiros frutos! Eu me refiro à ideia de fechar um dos trechos da Praça Comendador Negrão ao trânsito de veículos, que partiu do Geraldo Eustáquio e foi publicada aqui no caminhada.org sob o título Rua de pedestres na Praca Comendador Negrão de Lima. Várias pessoas já manifestaram o seu apoio e parece que a ideia vai pegar! O próximo passo é criar uma lista de adesões e levar a nossa reivindicação à Prefeitura de BH, mostrando que a ideia é simples, perfeitamente exequível e realmente beneficiará a todos. Mas se ainda resta dúvida quanto à eficácia da medida, a nossa proposta é fechar o trecho ao trânsito de veículos em determinados dias e horários utilizando apenas cones de sinalização, sem maiores intervenções estruturais, e se der certo, partir para a solução definitiva. Vamos espalhar a notícia! A Praça Comendador Negrão é uma das poucas áreas de lazer do bairro Floresta e tem construções interessantes, que seriam ainda mais valorizadas com a implantação da nossa Rua de pedestres. A foto abaixo mostra o trecho a ser fechado ao trânsito de veículos. Vejam como os moradores cuidam de suas casas. Então, vamos levar adiante a ideia do Geraldo Eustáquio? Entre em contato através do contatocaminhada@gmail.com e dê a sua opinião!
Caminhada: um novo meio de transporte?

Saiu recentemente na Folha: “mapeamento inédito mostra explosão de ONGs em prol do pedestre pós-2013”. O mapeamento foi feito pelas ONG’s Cidade Ativa e Corrida Amiga com apoio do Instituto Clima e Sociedade e revelou que existem atualmente mais de 100 associações que promovem atividades ligadas ao pedestre no Brasil. Segundo Andrew Oliveira da ONG Corrida Amiga, “está na hora de a sociedade entender que andar a pé também é uma forma de transporte”. É nisso que venho pensando ultimamente: porque o poder público não investe na caminhada como meio de transporte, nestes tempos em que se discute tanto a questão da mobilidade urbana, o efeito estufa, o problema do sedentarismo? Vejam o caso de BH, onde o principal meio de transporte são os já saturados ônibus, onde a ampliação do metrô vem sendo sistematicamente adiada e onde, por isso mesmo, há excesso de automóveis em circulação. Não seria interessante implantar pistas de caminhada pelas ruas da cidade, de forma que as pessoas pudessem ir e vir com segurança e conforto, evitando os deslocamentos de ônibus ou automóvel, principalmente nos horários de pico? Não seria interessante que estas pistas de caminhada fossem implantadas nas faixas de rolamento de veículos, onde o piso é nivelado e livre dos obstáculos tão comuns nas nossas calçadas? Que nos principais cruzamentos houvesse passarelas ou trincheiras e em pontos estratégicos sanitários e bebedouros à disposição do usuário? Que nas grandes avenidas fossem aproveitados os canteiros centrais, hoje zonas mortas raramente utilizadas pelo pedestre? Então, que tal a rota abaixo, ligando a região da Savassi à Estação Santa Efigênia do metrô? E esta outra, ligando o bairro de Lourdes à Estação Central? E outras mais, que seriam implantadas de acordo com a necessidade, interligando-se e formando verdadeiros corredores de pedestres? Só que não podemos cruzar os braços e ficar esperando. Cabe a nós, adeptos da caminhada, provocar essa mudança. Precisamos nos mobilizar, nos organizar, reivindicar os nossos direitos. É uma questão de cidadania! Afinal, como diz Mônica Nunes do Conexão Planeta, “depois de engatinhar, a primeira coisa que fazemos é andar. E, assim, conquistamos a forma de mobilidade mais saudável, democrática, econômica e, portanto, mais sustentável que existe. Parte da humanidade perdeu esse hábito com o advento do carro, mas – com o aumento da poluição e a urgência de driblarmos o aquecimento global – tem muita gente voltando a caminhar pelas metrópoles, redescobrindo essa deliciosa prática” (leia a matéria completa aqui). A propósito, a pergunta título deste artigo é só uma provocação: todo mundo está careca de saber que a caminhada não só é meio de transporte como é também o mais antigo que existe, não é mesmo?
Parque Municipal de Belo Horizonte: o maior parque urbano da América Latina?

O Parque Municipal é uma das maiores atrações de Belo Horizonte. Com muita sombra, muito verde, lagos artificiais e uma pequena fauna silvestre, pode ser considerado um verdadeiro oásis em pleno centro da cidade. Sua história praticamente se confunde com a história de BH, pois foi entregue à população antes mesmo da inauguração da capital. O que poucos sabem é que foi projetado pelo arquiteto francês Paul Villon para ser o maior parque urbano da América Latina e que a área que ocupa atualmente corresponde apenas à terça parte da área original, que era de 550 mil m² quando foi inaugurado, em 1897. Conforme se observa na planta abaixo, naquela época o Parque ocupava uma porção significativa da área limitada pela avenida 17 de Dezembro (atual Contorno), a chamada Zona Urbana. Seus limites originais eram as avenidas Afonso Pena, Tocantins (atual Assis Chateaubriand), Araguaia (atual Francisco Sales) e Mantiqueira (atual Alfredo Balena). As primeiras perdas ocorreram já no início do século passado, quando foram ocupados alguns terrenos próximos à confluência das atuais avenidas Alfredo Balena e Francisco Sales e nas proximidades do recém-construído viaduto Santa Tereza. De um lado instalaram-se paulatinamente a Faculdade de Medicina da UFMG, os hospitais São Geraldo e São Vicente de Paula e o campo do América Futebol Clube (hoje um hipermercado); do outro, a Serraria Souza Pinto e as primeiras casas do bairro Floresta. A foto abaixo mostra a ocupação do Parque nas proximidades do viaduto Santa Tereza, nos primórdios da capital. Tomando como referência os arcos do viaduto, vemos à direita os galpões da Serraria Souza Pinto e no alto do morro, à esquerda, as primeiras casas do Floresta. Fonte: BH Nostalgia / Acervo SEEBLA Esta porção do Parque foi a primeira a se desmembrar, em função de seu divisor natural, o ribeirão Arrudas. O outro desmembramento ocorreu na década de 30 com a implantação da alameda Ezequiel Dias, que acelerou ainda mais o processo de ocupação da chamada Área Hospitalar. Mas nem mesmo a área remanescente foi poupada. Lá estão, erguidos em épocas distintas, o Teatro Francisco Nunes, o Colégio Imaco (recentemente demolido para a construção do futuro Espaço Multiuso do Parque Municipal) e o Palácio das Artes. Somente em 1975, depois que o Parque havia sido reduzido ao que é hoje, é que o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico realizou o seu tombamento, impedindo que novas construções fossem erguidas no local. Mas não adianta chorar sobre o leite derramado… Já ouviram falar de resiliência, a propriedade de um corpo recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação e, por extensão, de cidades resilientes? E do caso de Singapura, que transformou um imenso canal de concreto em parque urbano e se tornou referência mundial no assunto? Já pararam para pensar que a inauguração de Belo Horizonte (1897) coincidiu, não por acaso, com o momento em que o Brasil comemorava a Proclamação da República (1889) e respirava novos ares, finalmente livre do jugo português? Que a cidade nasceu de uma ruptura com o passado, uma vez que Ouro Preto, a velha sede do governo, já não atendia aos anseios dos mineiros, que sonhavam com uma grande e moderna capital? Pois bem, com sua inequívoca vocação para o novo, Belo Horizonte tem tudo para se projetar mundialmente como modelo de cidade resiliente, começando pela regeneração das áreas subtraídas ao Parque Municipal. Pioneirismo não nos falta. O viaduto Santa Tereza era, na época de sua construção, o maior vão em concreto armado da América Latina, o IAPI foi o primeiro conjunto habitacional implantado no país, e a Pampulha é considerada o berço da moderna arquitetura brasileira. Mas como regenerar áreas tão densamente ocupadas, tão descaracterizadas como a da foto abaixo, onde aparece em destaque o Hospital da Previdência? Foto: Nélio Rodrigues Não sei. O que sei é que temos uma enorme dívida para com a natureza e precisamos quitá-la, para nos redimir dos erros do passado. Precisamos nos convencer de que a desapropriação e demolição de corpos estranhos erguidos em áreas públicas originalmente destinadas a parques, como é o caso, é uma questão de honra, um direito do cidadão. Talvez devêssemos começar pelo estabelecimento que ocupa o maior espaço dentro de uma das áreas a ser regenerada, o hipermercado, que seria o indutor de um processo que se quer irreversível: a progressiva substituição do cinza do concreto pelo verde da natureza. Agindo assim, provavelmente seremos lembrados pelas futuras gerações como aqueles que restituíram ao Parque Municipal de Belo Horizonte não o título de maior parque urbano da América Latina, que já não o seria, mas suas origens, sua identidade.
Prédios históricos de BH: porque não iluminar?

Em um dos artigos anteriores eu abordei o problema das calçadas de Belo Horizonte. Neste artigo vou abordar outro problema que também me incomoda bastante: a precária iluminação dos prédios históricos da cidade. Será que esses verdadeiros guardiões da nossa memória não merecem o devido destaque? Porque não seguimos o exemplo de outras grandes cidades do mundo, que há muito tempo descobriram que prédios e monumentos iluminados constituem um espetáculo à parte, uma forma de destacar à noite aquilo que nem sempre se percebe à luz do dia? Ou será que a magnitude de alguns palácios e museus estrangeiros nos cegou a ponto de não mais sermos capazes de enxergar o valor do nosso patrimônio? Se é assim que nos sentimos, está na hora de mudar. Está na hora de construirmos a nossa própria identidade, sem fazer comparações, mesmo porque não há termos de comparação entre a nossa cultura e a do velho continente, por exemplo. Sob este aspecto, o Palácio da Liberdade é tão importante para Belo Horizonte quanto o Palácio de Buckingham o é para Londres. Palácio de Buckingham à noite – Fonte: PA photos Ou quem sabe o poder público considera que o que restou da Belo Horizonte de antigamente é tão pouco que não merece destaque? Se for este o caso, discordo. É exatamente porque restou pouca coisa daquela época que devemos preservar, valorizar o que ficou de pé. Vejam o prédio do Instituto de Educação, que fica ali na rua Pernambuco entre as avenidas Afonso Pena e Carandaí. Foto: Postal Colombo É um dos mais imponentes da cidade, mas à noite quase passa despercebido, tal a penumbra em que se encontra. Agora, imaginem um projeto de iluminação que valorize suas linhas majestosas, os detalhes arquitetônicos, os jardins. Imaginem ainda, numa segunda etapa, sua transformação em museu ou centro cultural. Seria tudo de bom, não é mesmo? Além disso, a iluminação do prédio e a presença do público certamente inibiriam a atuação dos oportunistas de plantão, aqueles que vivem ali por perto e se aproveitam da escuridão e do isolamento da área para praticar seus delitos. Citei o Instituto de Educação como poderia citar inúmeros outros prédios que se encontram na mesma situação, mas vou deixar este exercício de imaginação para vocês. Só não posso deixar de falar da região que concentra o maior número de prédios históricos de BH. É claro que estou me referindo à Praça da Liberdade, um dos cartões postais da cidade e um dos locais mais frequentados pelos turistas. Antes do pôr do sol, que fique bem entendido! Quem já se aventurou a caminhar por lá à noite sabe do que estou falando… É claro que os antigos postes de iluminação pública que remontam aos primórdios da capital e lá se encontram até hoje devem ser preservados, mas ninguém duvida de sua ineficácia nos dias atuais. Portanto, a ideia é iluminar devidamente o Palácio da Liberdade e os demais prédios históricos da região, que iluminariam, por sua vez, a própria Praça da Liberdade. O modelo está bem ali, na esquina da rua Cláudio Manoel. É o prédio do CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil. Aliás, não foi à toa que o escolhi para a página de abertura deste artigo. A propósito, voltem à foto e reparem como o projeto de iluminação valorizou o prédio. Observem, sob o jogo de luz e sombra, a riqueza de detalhes, a imponência da construção. Portanto, vamos iluminar os nossos prédios históricos, abri-los à visitação pública, mostrá-los enfim. Não se trata somente de valorizar o nosso patrimônio, nossos bens culturais, de incrementar o turismo. Trata-se também de garantir a segurança da população. E para terminar vou lançar um desafio. Vocês se lembram do roteiro Da Praça 7 à Praça da Liberdade, o primeiro roteiro turístico a pé que publiquei aqui no caminhada.org? O desafio é iluminar todos os prédios citados no roteiro e transformá-lo em atração turística noturna. Quem sabe daqui a alguns anos poderemos encher de orgulho o peito e dizer: observem a iluminação dos prédios históricos de Belo Horizonte, é uma das maiores atrações da cidade! Foto em destaque: Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte – Gisele Prosdocimi
A Pampulha que só enxerguei agora, após o reconhecimento internacional

Outro dia fui caminhar de terno e gravata. Sabem onde? Às margens da Lagoa da Pampulha. Terno e gravata é força de expressão, mas bem que o momento era propício: o Conjunto Moderno da Pampulha acabava de ser reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco. Patrimônio Cultural da Humanidade! Isso quer dizer que a partir de agora a Igrejinha de São Francisco de Assis, o antigo Cassino, a Casa do Baile, o espelho d’água e seu entorno já não pertencem somente a mim ou a você que costuma frequentar o local. Foto: Carlos Avelin Como as pirâmides do Egito, a muralha da China e o Taj Mahal, só para citar alguns exemplos, esse belo conjunto arquitetônico agora pertence a toda a humanidade, e mais, faz parte de seu patrimônio cultural. Portanto, naquele dia eu tinha motivos de sobra para comemorar e resolvi fazer a minha caminhada em grande estilo, começando onde tudo começou: no antigo Cassino, hoje Museu de Arte da Pampulha. Enquanto fazia meu alongamento, fiquei imaginando o impacto daquela novidade sobre as pessoas que, no início da década de 40, ali chegavam para fazer suas apostas. Fiquei imaginando também a surpresa dessas pessoas ao saberem que a ideia partiu de dois ilustres desconhecidos: Juscelino Kubitschek, então prefeito de Belo Horizonte e Oscar Niemeyer, que iniciava sua carreira de arquiteto. De fato, o projeto era bastante arrojado para a época, diferente de tudo o que se vira até então, e Niemeyer foi muito feliz ao lançar o prédio sobre uma elevação do terreno, debruçado sobre o espelho d’água. No interior o arquiteto também acertou em cheio: mármores brancos, colunas revestidas em aço inox, corrimãos dourados, muito vidro e superfícies espelhadas, tudo projetado em função do público frequentador, que podia se exibir à vontade. Do lado de fora, diversas espécies da flora brasileira agrupadas em volta de um pequeno lago artificial. São os jardins do paisagista Roberto Burle Marx e do botânico Henrique Lahmeyer de Mello Barreto. E em meio aos jardins, três esculturas emblemáticas: o Nu de August Zamoyski, a Figura Alada de José Pedrosa e o Abraço de Duas Mulheres de Alfredo Ceschiatti. Mas Juscelino não apostava somente no jogo e nas obras de arte. Além do Cassino, sonhava com um salão de danças, um clube, uma igreja e um hotel, que não chegou a ser construído. E foi exatamente para o salão de danças, mais conhecido como Casa do Baile, que fui caminhando após terminar o meu alongamento. É aí que Niemeyer se solta. O resultado é um projeto singular, onde o volume redondo que constitui o corpo do prédio vai aos poucos se metamorfoseando em marquise, que prossegue, sinuosa, até os jardins, também assinados pela dupla Burle Marx-Henrique Lahmeyer. Eu poderia ficar horas admirando aquela obra síntese da arquitetura de Niemeyer, mas estava ansioso para continuar a minha caminhada. Ainda faltavam o Iate Tênis Clube e a Igrejinha de São Francisco de Assis. Num instante cheguei ao Iate Tênis Clube. Infelizmente, só consegui ver a fachada do prédio desenhado por Niemeyer, assim mesmo olhando através de um dos quadradinhos do muro de tijolos vazados que fica rente à calçada. Mas o pior ainda estava por vir, ou por ver. Quadras, muitas quadras esportivas, e um grande caixote de concreto construído sobre um aterro que invadiu boa parte da lagoa. Dizem que vão demolir tudo isso e resgatar o projeto original. É o que todo o mundo espera, inclusive o pessoal da Unesco, que já estabeleceu até um prazo para que isto aconteça. Sob pena de perdermos o título recém conquistado! Deixei, pois, aquela aberração para trás e segui adiante. Felizmente a Igrejinha de São Francisco de Assis já despontava do outro lado e logo recuperei o entusiasmo com que havia iniciado a caminhada. Assim que cheguei, a emoção bateu mais forte. Embora eu já tivesse visitado aquele ícone da arquitetura moderna em diversas ocasiões, era a primeira vez que o via como verdadeiro patrimônio, como obra de arte em si mesma. Naquele momento eu enxerguei a obra de Niemeyer como a imaginou o próprio arquiteto, cobertura e paredes formando um único elemento estrutural em forma de abóbada (uma alusão à abóbada celeste?), verdadeira escultura em cimento e aço. Enxerguei também as 14 telas que compõem a Via Sacra da Igrejinha e entendi porque são consideradas uma das obras mais importantes de Portinari. Ali, na força dramática da paixão de Cristo, estão evidentes a sensibilidade, o potencial criativo, a genialidade do artista. Só faltava a obra de Ceschiatti e fui até o batistério para conferir. São 4 painéis em baixo relevo em que o escultor belo-horizontino retrata, com a expressividade que lhe é peculiar, o paraíso terrestre desde a criação até a expulsão do homem. Mas já estava na hora de voltar pra casa e ao sair da Igrejinha lancei um último olhar sobre a Pampulha. O céu estava soberbo de azul e uma única nuvem se via no horizonte. Tive a impressão de que lá do alto alguém velava por tudo aquilo. Seria o menino Juscelino? Foto de abertura: Maria Lúcia Dornas – Jesus cai pela 2ª vez
Assim caminha a humanidade…

Uma coisa de que não abro mão é da minha dormidinha depois do almoço. E olha que não estou falando de cochilo, estou falando de dormidinha mesmo. Com direito a tirar os sapatos, esticar o corpo e tudo o mais a que faz jus um ser vivente. É tiro e queda. Me deito, pego o livro da vez, abro na página marcada e começo a minha aventura. Não chego a ler duas páginas e já estou dormindo. Duas páginas? Que nada, na maioria das vezes bastam dois parágrafos para eu cair nos braços de Morfeu. Na verdade, o que cai primeiro é o livro. E a sensação de bem-estar é tão grande que chego a sonhar… Outro dia, após uma dessas dormidinhas, acordei com alguém sussurrando ao meus ouvidos: você está tão acostumado a caminhar que já nem sabe se caminha mesmo ou se é o caminho que te leva… Se não me falha a memória (sonhos deixam memória?), eu estava caminhando sob um céu azul, com muita luz, quiçá no meio das nuvens. Portanto, não duvido nada que aquele alguém estivesse velando o meu sono e tenha resolvido me acordar com tal pensamento. É claro que na vida real não é bem assim. Mas o fato é que durante minhas caminhadas parece mesmo que estou sendo levado. É uma sensação indescritível, algo que vem de dentro, me torna mais leve e faz com que eu acelere instantaneamente o passo. Às vezes, porém, acontecem situações inusitadas. Outro dia lá ia eu a seis quilômetros por hora, feliz da vida, quando um sujeito me parou e perguntou se é assim que caminho todos os dias. Respondi sim, porque e ao virar as costas ouvi o sujeito dizer baixinho parece que vai voar. Na hora eu quis voltar e enfrentar o engraçadinho, mas acabei deixando pra lá. O sujeito já devia estar me observando há algum tempo e, incomodado com tanta extravagância, soltou a piadinha. Nada mais natural. Além do mais, ele não estava totalmente destituído de razão. Eu voltava do trabalho à pé e como nessas ocasiões agito rapidamente os braços, acompanhando o movimento do corpo, devo parecer mesmo um pássaro prestes a alçar voo, ou algo parecido. Ilustração de Heliana Grudzien para capa do livro Homem Voa Voa – Editora Cortez Aliás, eu também observo as pessoas que cruzam comigo todos os dias e muitas dessas pessoas devem me observar também. Só que fazem de conta que nunca me viram, e como eu faço o mesmo, jamais nos cumprimentamos. Devo confessar que não é uma atitude das mais elegantes, mas no meu caso até que é bom. Atrás de um cumprimento vem sempre uma observação, um comentário, uma história e aí a minha caminhada já não seria a mesma. Eu perderia o ritmo, e até pegar o ritmo novamente… Mas voltando ao sujeito que disse parece que vai voar, faz mais de ano que o fato aconteceu e eu já nem me lembrava mais do caso. Até ontem. O que aconteceu? Bem, lá ia eu voltando do trabalho na mesma toada de sempre, quando alguém me ultrapassou e antes mesmo que eu pudesse me refazer do susto, se virou e acenou pra mim com a cara mais lavada deste mundo. Adivinhem quem era? O tal sujeito, feliz da vida. Curioso, né? Outro dia mesmo esse sujeito zombava de mim e hoje segue o meu exemplo. Assim caminha a humanidade…
Calçadas de BH: um caso de polícia

Ufa! Cheguei ao meu décimo artigo. Quando criei o caminhada.org, prometi a mim mesmo que só divulgaria efetivamente o blog se chegasse a este ponto. Eu não queria iniciar a divulgação antes de ter publicado um conteúdo expressivo e que fosse, ao mesmo tempo, útil e interessante. Além disso, eu havia resolvido limitar o meu raio de ação a Belo Horizonte e não estava seguro de que o tema caminhada rendesse tanto. E devo confessar que estou satisfeito com o resultado. Mas não é hora de descansar. É hora de voltar a um assunto que me incomoda bastante e que eu já havia comentado anteriormente (veja aqui): a situação das calçadas de BH. Que não é nada boa, diga-se de passagem: buracos e remendos por toda parte, ressaltos e depressões, rampas e degraus absurdos. A questão é complexa. De um lado está o proprietário do imóvel, responsável pela construção e conservação da calçada, que desconhece ou ignora suas obrigações, e do outro o poder público, que não consegue fazer com que se cumpra a legislação. Ao meu ver, a primeira questão a ser atacada em relação à situação das calçadas de BH são as entradas de garagem. Saiam caminhando pelas ruas da cidade e observem: raramente se vê uma calçada que não tenha sido descaracterizada para facilitar a entrada de veículos. Isto acontece porque, em geral, só depois de pronta a edificação é que se projeta a entrada de veículos e aí prevalece o jeitinho brasileiro: constrói-se uma rampa na calçada para se atingir o nível da garagem e quem sofre as consequências é o pedestre. Às vezes, não satisfeito com a utilização da calçada, o proprietário do imóvel avança com a rampa até o meio da rua e aí não se trata mais de uma irregularidade e sim de uma verdadeira afronta ao poder público. E se o pedestre é idoso, deficiente físico ou visual, como é que fica a situação? Até quando vamos permitir que o interesse individual prevaleça sobre o coletivo? Onde estão o respeito ao pedestre, o cuidado com a coisa pública, a preocupação com a questão estética? De acordo com o Código de Posturas do município, o desnível entre a rua e o piso da garagem deve ser corrigido dentro dos limites da edificação, ou seja, do muro de divisa para dentro. O motivo é simples: as calçadas se destinam ao pedestre e, portanto, devem ser niveladas de ponta a ponta, sem descontinuidade, para facilitar o seu deslocamento. A faixa das calçadas utilizada pelos veículos jamais poderia ser transformada em rampa de acesso às garagens. Entretanto, para se resolver definitivamente o problema das entradas de garagem é preciso agir de forma integrada, pois a regularizaçao de uma calçada geralmente afeta a calçada vizinha. Uma boa ideia é considerar as calçadas de cada quarteirão como se fossem uma única calçada, possibilitando que a regularização seja feita de uma só vez. O nivelamento seria único, o acabamento também. Isto beneficiaria os moradores, que rateariam as despesas pagando um valor menor do que se contratassem o serviço individualmente, e a cidade, que ficaria com um aspecto bem mais agradável. Mas além das entradas de garagem e dos outros problemas apontados acima, há uma outra questão a ser resolvida em relação às calçadas de BH: a arborização. É claro que o problema não está nas árvores em si. Pelo contrário, as árvores são motivo de orgulho dos belo-horizontinos. Acontece que grande parte das espécies utilizadas nas ruas da cidade é inadequada e suas raízes acabam danificando as calçadas. Como se não bastasse, certas espécies de árvore crescem desmesuradamente em direção à rede elétrica, o que requer a supressão dos galhos indesejáveis. E o que se vê é a mutilação das árvores para não prejudicar a rede elétrica. E não é nada bonito de se ver. Substituindo as espécies inadequadas a Prefeitura poderia “matar dois coelhos com uma cajadada só”: solucionaria o problema das rachaduras nas calçadas e o problema da interferência com a rede elétrica. Para finalizar, um lembrete: precisamos resgatar em cada um de nós o sentimento de pertença, tão esquecido ultimamente. A cidade é nossa e nós somos a cidade. A rua é a extensão da nossa casa e a calçada o nosso cartão de visitas. Portanto, vamos cuidar bem de nossas calçadas. Estamos combinados?
Vinho, queijo e alívio para a população

Gostei da matéria “Novas lanchonetes dos parques de BH saem do comum e vão oferecer vinho e queijo”, publicada recentemente no jornal Estado de Minas. É uma boa oportunidade para divulgar o Queijo de Minas e seu produto mais ilustre, o nosso famoso pão de queijo. Quanto ao vinho tenho minhas dúvidas, principalmente no verão. Mas o que me chamou a atenção é que junto às novas lanchonetes vão ser instalados sanitários com entrada a 50 centavos, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte, autora do projeto. É meio caminho andado para a solução de um problema crônico na cidade: o aperto na hora do aperto. Eu, por exemplo, faço diariamente 90 minutos de caminhada na volta do trabalho para casa e quando preciso ir ao banheiro é um deus nos acuda, principalmente se não houver um bar ou restaurante por perto para salvar a situação. E porque apenas meio caminho andado? Porque o projeto da Prefeitura é implantar a novidade apenas em alguns parques, entre os quais estão o Parque da Barragem Santa Lúcia, o Parque da Serra do Curral e o Parque das Mangabeiras. Se for isso mesmo, ficaremos a ver navios. É que na região central, segundo informa a Prefeitura, apenas o Parque Municipal será contemplado e na região da Savassi, onde o vai-e-vem de pessoas também é grande, nenhuma lanchonete será implantada. Mas sabem como resolver este impasse? É só expandir o projeto, contemplando também os quarteirões fechados ao trânsito de veículos, que são tendência aqui em BH. Para se ter uma ideia, só na região da Savassi são 7 quarteirões, prontos para serem utilizados: 4 na própria praça Savassi (2 na rua Pernambuco e 2 na rua Antônio de Albuquerque) e 3 na praça ABC (2 na rua Ceará e 1 na rua Cláudio Manoel). Ainda nas proximidades da Savassi temos 3 quarteirões fechados na praça Tiradentes (2 na rua Paraíba e 1 na rua Aimorés) e na região central mais 4 (Praça 7). Além destes, poderiam ser incluídos nos estudos outros locais como as praças Rio Branco (Praça da Rodoviária), 1º de Maio (Paraná com Amazonas), Afonso Arinos, Duque de Caxias e Floriano Peixoto, só para citar mais 5. É claro que alguns locais são intocáveis, como a Praça da Liberdade, patrimônio histórico e cultural da cidade, mas para tudo tem jeito: não longe dali, em frente à Casa Fiat de Cultura, está a Praça José Mendes Júnior, que também poderia ser contemplada. De qualquer forma, a iniciativa da PBH é digna de louvor e merece todo o nosso apoio. As minhas sugestões visam apenas contribuir para que as novas lanchonetes se espalhem por outros cantos da cidade e resolvam definitivamente o problema da falta de sanitários. A propósito, nem bem acabei de escrever o parágrafo acima e outra matéria do Estado de Minas chamou a minha atenção: acabam de ser instalados pela Prefeitura os primeiros totens informativos sobre o patrimônio histórico e cultural da cidade. Foto: lugarcerto.com.br É uma notícia auspiciosa, que a população recebe com bons olhos. Os totens trazem informações em português e inglês sobre imóveis, praças e famílias que fizeram a nossa história, além de referências a pessoas ilustres que nos visitaram. E tem mais novidade: de acordo com a matéria, está em estudo a implantação de um circuito literário que pretende divulgar as casas que abrigaram escritores famosos aqui de BH, ou que aqui viveram. Parabéns à Prefeitura. É prova de que BH caminha definitivamente para a internacionalização. Aliás, sempre defendi a tese de que a cidade não fica nada a dever a outras metrópoles mundo a fora em termos turísticos. Basta que acreditemos em nosso potencial. Mas para isso é preciso investir em serviços que andam meio esquecidos pela administração pública, como iluminação dos prédios tombados pelo patrimônio histórico e conservação das calçadas. E para os descrentes, que afirmam que BH não tem mar como o Rio de Janeiro, ou rio navegável como Londres, Paris ou Roma, costumo citar Barcelona, que é mundialmente conhecida por ser um centro de cultura e arte, embora tenha também suas praias. Querem tirar a prova? Perguntem a nove entre dez turistas que visitaram a capital da Catalunha se foram à praia. Garanto que dirão que nem viram o mar, ou nem sabiam que a cidade era banhada pelo mar. Mas voltando à vaca fria, vamos torcer para que as novas lanchonetes-sanitário de BH saiam logo do papel (e do âmbito dos parques) e se espalhem pela cidade. Será um grande alívio para a população!