Os segredos da Sapucaí

Seis e meia da manhã. Rua Sapucaí, próximo ao viaduto da Floresta. Sigo rente à balaustrada, direção Assis Chateaubriand. De tempos em tempos escuto, abafado pela fileira de árvores que encobre a linha de trem lá embaixo, o ranger do metrô deslizando sobre os trilhos da ferrovia.  Um pouco acima, mas ainda em nível inferior ao da rua oficial, outra rua se revela: calçamento tipo pé-de-moleque, tufos de mato aflorando nas gretas e nas sarjetas, orvalho da última chuva evaporando lentamente. Procuro um acesso. Acesso não há. Vou caminhando sem tirar os olhos da Sapucaí de Baixo. De repente, uma pequena edificação. Na fachada, a logomarca do Museu de Artes e Ofícios, um “a” maiúsculo em forma de compasso girando sobre a letra “o”. Mais alguns passos e descubro, semiocultas entre galhos de árvores que avançam sobre a calçada, algumas peças do MAO. Trata-se do “Jardim das Energias”: rodas d’água, moinhos, engrenagens… Logo adiante, após o prédio da antiga Rede Mineira de Viação, uma grande janela se abre para a cidade. Um belo horizonte se descortina diante dos meus olhos. Embarco num tour visual desde a Praça da Estação até o 1500 da Afonso Pena. Identifico os edifícios Itatiaia e Aurélio Lobo, as empenas multicoloridas dos prédios vizinhos, o lado bê do Acaiaca, a herança deixada pelo Othon Palace, o fundo verde do Parque Municipal, os arcos do viaduto Santa Tereza. Desço até a esquina de Assis Chateaubriand. E volto. Abandonado e cheio de pichações, o edifício Chagas Dória, digno representante do estilo art déco dos anos 30, pede socorro. Quem sabe algum mandatário da Cultura erra por essas páginas e se sensibiliza? Absorto em meus pensamentos, passo pela rua Tabaiares (corruptela de Tabajaras, a tribo indígena?) e sigo em frente. Na esquina de Tapuias (este sim, legítimo topônimo indígena), o imponente prédio da extinta Rede Ferroviária Federal recende beleza por todos os lados. Totalmente restaurado, está pronto para receber o futuro “Centro Cultural da Memória Ferroviária”. Já chegando ao final da primeira volta, quase esquina de Silva Jardim, o sobrado do 127, também restaurado. Uma preciosidade. Sede do Instituto Cultural Flávio Gutierrez. E segue a caminhada. À medida que o dia vai amadurecendo, novos personagens vão aderindo: a dama do cachorrinho, o cavalheiro que faz a volta do Parque Municipal, a garotinha de 9 meses feliz da vida no carrinho conduzido pela avó. Mas nem só de andarilhos vive a Sapucaí. Há também os que a procuram para outras atividades como pedalar, correr e até mesmo empinar papagaio. Isso mesmo. Tem um menino de cabelos grisalhos que costuma empinar papagaio por lá. Diz que o céu é uma pintura. Inspira. É verdade!