Os (des)caminhos do Colégio Estadual da Serra

1965. Primeiro ano de ginásio. Colégio Estadual da Serra. Na primeira semana de aula segui direitinho o caminho que haviam traçado pra mim: Serranos, Caraça, Oriente, Muzambinho, Ouro, Ivaí. Da segunda semana em diante, nem tanto. Logo de cara eliminei o trecho Caraça-Oriente e passei a utilizar a variante Serranos-Trifana. Cortei um bom caminho, embora tivesse que enfrentar diariamente um pequeno desafio, a travessia do córrego da rua Serranos. Córrego da Serra. Diziam que o córrego era rasinho, que bastava pular sobre as pedras do fundo, essas coisas. Mas eu havia observado que os outros meninos da rua nem aí para as pedras. Equilibravam-se sobre uma tubulação de água e zás do outro lado. Fui… Apesar do feito notável para um pirralho recém-saído de infância em apartamento, eu ainda não estava satisfeito. Um novo desafio se impunha: atravessar uma pequena vila situada nas proximidades do colégio, evitando a subida de Muzambinho e o trecho final Ouro-Ivaí. Como tivesse medo de fazê-lo sozinho, aproximei-me de colega que também subia Muzambinho e propus que enfrentássemos juntos o desafio. Durante alguns dias analisamos os prós e contras, os riscos, as dificuldades. Por fim, decidimos pela aventura. Foi tenso, mas valeu a pena: saímos no alto da rua Ivaí, quase na entrada do colégio. A partir daí fomos tomando conta do pedaço. Sentíamo-nos cada vez mais confiantes. Um belo dia, porém, aconteceu um fato inusitado. Seguíamos tão distraídos que nos esquecemos de olhar para o chão e acabamos pisando naquilo que ninguém quer pisar. Ato contínuo, o colega foi logo soltando um putaquepariu e em seguida, percebendo que à porta de um barraco um pirralho zombava da nossa desgraça, gritou ôôôôô gambá… Pra quê. O danado sacou do bolso um bodoque, pegou o primeiro calhau que viu pela frente e apontando a arma em nossa direção foi dizendo vocês vão ver quem é o gambá aqui. Estamos correndo até hoje… Brincadeira. Mas o fato é que fui obrigado a buscar um novo trajeto, ainda mais longo que o inicial. Subir até o final a rua do Ouro, passar por dentro de um lote vago que havia em frente ao convento dos Dominicanos e caminhar ainda um bom pedaço até chegar ao colégio. A volta pra casa também ficou prejudicada. Passei a descer Ouro e subir Caraça. Uma volta do cão, uma subida dos diabos. Para compensar, permiti-me algumas extravagâncias. Ora um grapette no bar dos Manetta (Ouro com Trifana), ora um chicabon no armazém dos Salum (Ouro com Caraça). Criança tem dessas coisas.