Santa Tereza, a esquina do mundo
Manhã dessas fui caminhar no Santa Tereza. Tradicional bairro da Zona Leste de Belo Horizonte, Santê, como dizem os habitantes do lugar, tem muita história pra contar. Iniciei a caminhada na Hermilo Alves, porta de entrada do bairro. Subi a rua observando o casario, o trânsito, as pessoas que encontrava pelo caminho. No 275A, semelhando entrada de garagem com portão e cadeado, uma surpresa. Lá no fundo, a modo de vila do interior, uma ruazinha de pedras, onze casas. Vila Ivone. Tombada pelo Patrimônio Cultural em 2003, a Vila foi construída no início do século passado por um casal de imigrantes portugueses. Onze filhos, uma casa para cada filho. Mas quem sobe a rua Hermilo Alves ainda não tem uma ideia precisa do que é o Santa Tereza. O bairro começa a se revelar mesmo é a partir da rua Mármore. Em seu primeiro trecho a rua tem casas antigas, pequenos sobrados e alguns pontos comerciais. Depois vem a abertura para a Praça Duque de Caxias. Lá estão a Igreja de Santa Tereza, o novo Cine Santa Tereza e o Bar do Bolão, que desde 1961 vem salvando o fim de noite de muita gente com seu famoso espaguete. Nos dois quarteirões seguintes a rua Mármore mantém quase as mesmas características do trecho inicial. Ainda se vêm casas antigas e sobrados, mas o forte ali é o comércio. É o centro do bairro. Mais para o final a rua sofre uma descaída até a estação do Metrô e se torna exclusivamente residencial. Mas não cheguei até lá. Virei à esquerda na rua Dores do Indaiá, novamente à esquerda na Paraisópolis e na esquina de Divinópolis encontrei o que queria: “Noite chegou outra vez De novo na esquina os homens estão Todos se acham mortais Dividem a noite, a lua, até solidão Neste clube a gente sozinha se vê Pela última vez À espera do dia naquela calçada Fugindo de outro lugar”. Gravada em placa de metal, a letra da música Clube da Esquina nº 1 emociona. É como se ali estivessem Milton, Marilton, Márcio, Lô, Ronaldo, Fernando, Beto, Toninho, Wagner, Tavinho e outros sonhando acordados, esperando que “janelas se abram ao negro do mundo lunar”. Clube da Esquina. Reverenciei aquela molecada que revolucionou a música brasileira ao misturar Bossa Nova, Jazz e Rock com poesia e ganhou o mundo com seu canto. Depois subi a ladeira da Paraisópolis até o Bar Museu Clube da Esquina, onde em noite memorável eu e minha esposa, acompanhados dos casais Luiz Henrique e Mônica, Eduardo e Valquíria viajamos no tempo com Marilton e seu filho Rodrigo através das velhas sempre novas canções do Clube. Com direito a canja do poeta Murilo Antunes. Mas a minha turnê por Santê ainda não havia terminado. Deixei a lendária esquina de lado, desci a rua Divinópolis e virei à direita na Alvinópolis. Continuei descendo até a pizzaria Parada do Cardoso, cujo nome remete a antiga estação de trem que existia no local. Uma das melhores pizzas de BH. Eram dez e meia da manhã. Como a pizzaria só funciona à noite, o jeito foi seguir adiante. Segui Conselheiro Rocha até Silvianópolis, virei à esquerda e subi até o Birosca, piano-bar onde costumam se apresentar músicos da mais alta qualidade. Hora de voltar. Enveredei por outras ruas, outros caminhos. Eu buscava referências a dois outros famosos grupos musicais que iniciaram sua carreira no bairro. Sepultura e Skank. Heavy Metal e Pop Music. Eu sabia do forte vínculo dos músicos do Santa Tereza com o Bar do Bolão e fui até lá para conferir. Fotos, pôsteres, recortes de jornais, discos de ouro e outras referências a ambos os grupos estão espalhados por todo lado. Só não consegui descobrir em que lugar exatamente um e outro haviam ensaiado os primeiros passos. Eu já tinha ouvido falar que o Sepultura começou na garagem da casa onde moravam os irmãos Cavalera. Mas onde fica a tal garagem, se é que ainda existe? Quanto ao Skank, suponho que o grupo tenha ensaiado os primeiros acordes na casa do tecladista Henrique Portugal, que morou na rua Tenente Vitorino, perto da Praça Duque de Caxias. Estive lá com minha esposa no final dos anos 80 (ou início dos 90) a convite do pai do músico, o também tecladista Maurício Portugal. Dúvidas à parte, o que sei é que voltei pra casa “com a roupa encharcada e a alma repleta de chão”. Já posso dizer “sou do Mundo, sou Minas Gerais”. Crédito da foto de abertura: Google Street View Mais fotos da caminhada pelas ruas de Santa Tereza? Veja a seguir: