A hora e a vez do Augusto Pedestre
Aconteceu há poucos dias, quando eu voltava do trabalho a pé. Era um cruzamento sem semáforo. O bólido surgiu num átimo. Vinha da transversal, sem dar seta e invadiu a faixa de pedestres. Foi por um triz: se eu não tivesse pulado fora, não estaria aqui para contar a história. O motorista ou a motorista – nunca se sabe, com essas películas escuras que andam aplicando nos vidros dos carros – só faltou dizer sai da frente, quem manda aqui sou eu. Confesso que, contrariando o meu lado pacato cidadão, tive vontade de esfregar o nariz da criatura no asfalto e mostrar-lhe com quantos paus se faz uma canoa. Ou melhor, com quantas listras se faz uma faixa de pedestres. Entretanto, o máximo que consegui foi xingar meia dúzia de palavrões e rogar outra meia dúzia de pragas, que nem sei se chegaram ao ouvido do(a) destinatário(a). Adiantou? O(a) infeliz vai mudar? Da próxima vez que vir uma faixa de pedestres vai parar? Não, não vai parar. Não vai mudar. Vai continuar ignorando o pedestre, a faixa, a legislação. Como todo ignorante que se preza. Mas será que eu também não apronto das minhas quando estou ao volante? É verdade que nunca joguei o carro contra o pedestre, seria o cúmulo da estupidez. Mas quantas vezes, apressado ou desatento, o deixei esperando e cruzei, sem pestanejar, a sua faixa? Portanto, a conclusão a que cheguei é que a minha conduta ao volante também não é das mais exemplares. Por esse motivo é que agora, nos fins de semana (só dirijo nos fins de semana), passei a ter mais cuidado com o pedestre. Não buzino à toa, só cruzo a sua faixa depois de me certificar que o caminho está livre, e se o vejo aguardando na calçada vou logo indicando com a mão pode passar. Ainda não sou um exemplo de motorista, mas estou melhorando. Em troca, tenho recebido sorrisos de agradecimento e até… aplausos. Acreditem! E se às vezes me pego cantando aquela música do Paul, não me surpreendo. Afinal, se Ebony and Ivory vivem juntos em perfeita harmonia, lado a lado, no piano (e nas faixas de pedestres), porque não o fazemos nós, motoristas e pedestres? Imagem de abertura: Marco Martins