Da Feira de Amostras ao Parque Municipal sob os fícus da Afonso Pena
Nasci em Belo Horizonte no ano da graça de 1954. Aqui plantei minhas raízes. Salvo os breves períodos em que me ausentei a trabalho ou por motivo de férias, posso dizer que nunca sai de BH. Ou melhor, que BH nunca saiu de mim. Até os 10 anos morei no centro da cidade. Afonso Pena com Tupinambás, Edifício Teodoro. Naquela época os fícus cobriam de verde a avenida e os bondes circulavam por toda a cidade. Hoje tudo mudou! Onde se encontra a Rodoviária era a Feira Permanente de Amostras. No mesmo prédio funcionava a Rádio Inconfidência, a primeira emissora de rádio de Minas Gerais. Vista da Feira Permanente de Amostras com destaque para a torre do relógio (Fonte: curraldelreiblogspot / Acervo Augusto G. Coutinho) Ao lado da Feira de Amostras, no imponente prédio que abriga hoje uma unidade da Polícia Militar, era a Secretaria da Agricultura. Dizem que há um cofre forte lá dentro. É provável. O prédio era destinado à Alfândega Federal, que jamais funcionou no local. O Edifício Mesbla, na esquina de Curitiba, foi construído no início da década de 60. Pena que a loja de departamentos Mesbla, que ocupava os cinco primeiros andares do prédio, não exista mais. Também não existem mais a Casas Pernambucanas, que funcionava em frente à Mesbla, a Sapataria Atômica, o Cine Royal… A Sapataria Atômica ficava no primeiro quarteirão da avenida, lado direito. Oferecia um atrativo a mais para a garotada que, como eu, não tinha onde brincar nos primeiros prédios residenciais de Belo Horizonte: um escorregador! Porque Atômica, não sei. Talvez o nome tenha sido escolhido em função da 2ª Guerra, que naquela época ainda estava viva na lembrança de muita gente. O Cine Royal era do outro lado da avenida, onde está a Igreja Universal. Não cheguei a frequentá-lo. Eu era muito criança e meus pais não tinham o hábito de ir ao cinema. Em compensação, tenho boas recordações do Café Palhares, que continua firme até hoje na virada de Tupinambás, térreo do Edifício Teodoro, onde morei até os 10 anos de idade. Fachada do Café Palhares (Foto: divulgação Veja BH) Numa época em que pouca gente tinha acesso à televisão, o Palhares colocou um aparelho bem na entrada, de frente para a rua. Foi um sucesso! Aos domingos, os telespectadores fechavam Tupinambás para assistir aos jogos de futebol. Me lembro especialmente do jogo contra a Tchecoslováquia, em 1962, quando o Brasil foi bicampeão mundial. Do alto do Edifício Teodoro, eu e meus irmãos despejamos na avenida bacias de papel picado que havíamos enchido até a borda durante o jogo. Foi uma farra! Mas vamos continuar a nossa caminhada pela Afonso Pena. Do lado direito, na esquina de São Paulo, era a Nacional Magazine, loja de artigos masculinos instalada no térreo do Edifício Mariana. Do outro lado era a Casa Falci. Ambas se mudaram da avenida ou fecharam as portas (se não me engano a Casa Falci ainda funciona lá pelos lados da Olegário Maciel). Felizmente o belo casarão dos Falci ainda está de pé. Edifício Antônio Falci. O Hotel Financial também já existia naquela época. Era um dos mais luxuosos de Belo Horizonte. Dizem que o proprietário, o excêntrico Antônio Luciano, morava no hotel com sua onça de estimação. Será? A Praça 7 era o centro do universo belo-horizontino. Comércio, finanças, entretenimento e cultura: Cine Theatro Brasil, Café Pérola, Café Nice, Banco da Lavoura, Livraria Rex, Banco Hipotecário e Agrícola, Campeão da Avenida, Praça 7 Calçados. Edifício do Banco da Lavoura e casarão onde funcionou a Livraria Rex, no final dos anos 50 (Fonte: curraldelreiblogspot / Acervo IBGE) O Café Pérola, ponto de encontro dos aposentados, é hoje McDonald’s. O Banco da Lavoura (o do cofrinho, lembram-se?) internacionalizou-se. A Livraria Rex virou cinzas depois de um incêndio em 1977 e os demais estabelecimentos fecharam as portas. Só restaram o Cine Theatro Brasil e o Café Nice. O Cine Theatro Brasil foi restaurado recentemente e agora é uma bela casa de espetáculos. O Café Nice mantém a tradição: é lá que os aposentados de hoje se reúnem. Um pouco adiante, continuando pelo lado esquerdo da avenida, tínhamos o Banco Moreira Salles, a Hamilton (artigos masculinos) e já na esquina de Espírito Santo, a Guanabara, loja que ocupava prédio inteiro e marcou época na cidade. Depois, fazendo um giro no sentido horário, vinham o Edifício Acaiaca, o Castelinho, a Igreja São José e o Hotel Normandy. O Acaiaca, naquela época o prédio mais alto da cidade, perdeu o Cine Acaiaca, que funcionava nos fundos do hall de entrada. Não sei se perdeu ou ainda mantém em seu subsolo um abrigo antiaéreo construído durante a 2ª Guerra. O Castelinho, a Igreja São José e o Hotel Normandy continuam firmes como testemunhas daquela época. A Igreja São José foi além: acabou de restaurar as fachadas originais, da década de 20. No quarteirão seguinte, duas outras testemunhas daquela época: o Edifício Guimarães e o Conjunto Sulacap, que perdeu todo o charme na década de 70, quando construíram um anexo de lojas bem na entrada do prédio, impedindo a visada do viaduto Santa Tereza a partir da avenida Afonso Pena. Finalmente havia o Parque Municipal, limite do meu universo infantil. O lugar mais afastado que eu podia frequentar. Com algum acompanhante, é claro! A rua da Bahia? Só vim a conhecer mais tarde. Mas aí é outra história. Fica para depois… Foto de abertura: avenida Afonso Pena na década de 50 (Fonte: Arquivo Público Municipal)