Parque Municipal de Belo Horizonte: o maior parque urbano da América Latina?
O Parque Municipal é uma das maiores atrações de Belo Horizonte. Com muita sombra, muito verde, lagos artificiais e uma pequena fauna silvestre, pode ser considerado um verdadeiro oásis em pleno centro da cidade. Sua história praticamente se confunde com a história de BH, pois foi entregue à população antes mesmo da inauguração da capital. O que poucos sabem é que foi projetado pelo arquiteto francês Paul Villon para ser o maior parque urbano da América Latina e que a área que ocupa atualmente corresponde apenas à terça parte da área original, que era de 550 mil m² quando foi inaugurado, em 1897. Conforme se observa na planta abaixo, naquela época o Parque ocupava uma porção significativa da área limitada pela avenida 17 de Dezembro (atual Contorno), a chamada Zona Urbana. Seus limites originais eram as avenidas Afonso Pena, Tocantins (atual Assis Chateaubriand), Araguaia (atual Francisco Sales) e Mantiqueira (atual Alfredo Balena). As primeiras perdas ocorreram já no início do século passado, quando foram ocupados alguns terrenos próximos à confluência das atuais avenidas Alfredo Balena e Francisco Sales e nas proximidades do recém-construído viaduto Santa Tereza. De um lado instalaram-se paulatinamente a Faculdade de Medicina da UFMG, os hospitais São Geraldo e São Vicente de Paula e o campo do América Futebol Clube (hoje um hipermercado); do outro, a Serraria Souza Pinto e as primeiras casas do bairro Floresta. A foto abaixo mostra a ocupação do Parque nas proximidades do viaduto Santa Tereza, nos primórdios da capital. Tomando como referência os arcos do viaduto, vemos à direita os galpões da Serraria Souza Pinto e no alto do morro, à esquerda, as primeiras casas do Floresta. Fonte: BH Nostalgia / Acervo SEEBLA Esta porção do Parque foi a primeira a se desmembrar, em função de seu divisor natural, o ribeirão Arrudas. O outro desmembramento ocorreu na década de 30 com a implantação da alameda Ezequiel Dias, que acelerou ainda mais o processo de ocupação da chamada Área Hospitalar. Mas nem mesmo a área remanescente foi poupada. Lá estão, erguidos em épocas distintas, o Teatro Francisco Nunes, o Colégio Imaco (recentemente demolido para a construção do futuro Espaço Multiuso do Parque Municipal) e o Palácio das Artes. Somente em 1975, depois que o Parque havia sido reduzido ao que é hoje, é que o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico realizou o seu tombamento, impedindo que novas construções fossem erguidas no local. Mas não adianta chorar sobre o leite derramado… Já ouviram falar de resiliência, a propriedade de um corpo recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação e, por extensão, de cidades resilientes? E do caso de Singapura, que transformou um imenso canal de concreto em parque urbano e se tornou referência mundial no assunto? Já pararam para pensar que a inauguração de Belo Horizonte (1897) coincidiu, não por acaso, com o momento em que o Brasil comemorava a Proclamação da República (1889) e respirava novos ares, finalmente livre do jugo português? Que a cidade nasceu de uma ruptura com o passado, uma vez que Ouro Preto, a velha sede do governo, já não atendia aos anseios dos mineiros, que sonhavam com uma grande e moderna capital? Pois bem, com sua inequívoca vocação para o novo, Belo Horizonte tem tudo para se projetar mundialmente como modelo de cidade resiliente, começando pela regeneração das áreas subtraídas ao Parque Municipal. Pioneirismo não nos falta. O viaduto Santa Tereza era, na época de sua construção, o maior vão em concreto armado da América Latina, o IAPI foi o primeiro conjunto habitacional implantado no país, e a Pampulha é considerada o berço da moderna arquitetura brasileira. Mas como regenerar áreas tão densamente ocupadas, tão descaracterizadas como a da foto abaixo, onde aparece em destaque o Hospital da Previdência? Foto: Nélio Rodrigues Não sei. O que sei é que temos uma enorme dívida para com a natureza e precisamos quitá-la, para nos redimir dos erros do passado. Precisamos nos convencer de que a desapropriação e demolição de corpos estranhos erguidos em áreas públicas originalmente destinadas a parques, como é o caso, é uma questão de honra, um direito do cidadão. Talvez devêssemos começar pelo estabelecimento que ocupa o maior espaço dentro de uma das áreas a ser regenerada, o hipermercado, que seria o indutor de um processo que se quer irreversível: a progressiva substituição do cinza do concreto pelo verde da natureza. Agindo assim, provavelmente seremos lembrados pelas futuras gerações como aqueles que restituíram ao Parque Municipal de Belo Horizonte não o título de maior parque urbano da América Latina, que já não o seria, mas suas origens, sua identidade.